LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Livros que nos fizeram - 2


"CORPOS E ALMAS", de Maxence Van der Meersch

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Interrompo o meu silêncio para fazer uma breve postagem. Neste blogue do meu Curso do Liceu Alexandre Herculano, no Porto, o incansável Rui Abrunhosa - que tomou o timão durante a minha forçada, confusa e bem complicada ausência, que talvez ainda se vá prolongar (é mau fazer "jogging" com gente moça: deitamos os bofes pela boca, ficamos para trás e nem sabemos - o que é o caso - se chegaremos ao fim!), lançou uma nova série que se reporta aos livros que nos fizeram crescer. Apresenta, como número 1, o "Livro da Segunda Classe" e, dele, aquele poema que celebrava a casa através do ninho e que era duplamente educativo, mesmo para os que hoje têm de viver não em ninhos mas em casulos de vespas, de paredes de papel cimentado, ouvindo todas as sonoridades ventosadas ou não do compincha do lado - e estes são ainda os que têm sorte de ter qualquer coisa chamada de seu e que, feitas as contas, pagaram em triplicado ao banco que avançou com a massa (massa e não maça) para cobrir ao betoneiro fazedor de casulos a oportunidade de despachar aquilo e ir encasular para outras bandas,. Torna-se assim um vítimo-pelintra "proprietário" da necessidade artificiosamente criada duma cópula danada de banca e caliça, com o poder no meio delas, em nome de um mistificador "capitalismo popular" que cinicamente aniquilou o mercado do arrendamento e, sobretudo, vai franzindo o nariz ao esforço cooperativo, mantendo apenas a fachada constitucionalmente correcta (mas num minimozinho discreto, 'tá bem?). Bom! Não era por aí que eu queria ir hoje...

Queria ir por outro lado: (cor)responder ao Rui e lembrar um dos livros que realmente formou "a minha/nossa turma". Circulou pela prateleira subjacente à superfície de trabalho das carteiras no 6º e 7º anos e penso ser justo ao dizer que deve, consciente ou subconscientemente, ter ajudado a que Medicina fosse um dos cursos de preferência dos meus ilustres Colegas que ingressaram na U. Eu li-o então e, se não me convenceu a ir para Medicina , foi porque, já no momento, conhecido como "Zé dos Calhaus", lapa chateante do Professor Balacó e mesmo do Senhor Abrunhosa (o outro, o careca, o que levava os cigarros ao exagero mínimo quase a queimar os bigodes e "vivia" na sala de mineralogia e geologia, entre caixinhas etiquetadas por "Les Fils d'Émile Deyrolle" - A FIRMA AINDA EXISTE, MEUS CAROS! - e eu pergunto-me se permanecerá lá a magnífica colecção, inclusiva dos artísticos graptolitos desenhados a canivete numa folha de xisto, que o dito Senhor Abrunhosa pôs logo em dúvida?) - eu almejava uma vida de engenheiro, talvez numa mina. Cheguei mesmo a ter uma boa colecção de minerais, com uma certa irritação materna pela confusão que aquilo criava no meu quarto (havia de o ver agora!) - sobretudo quando alguns concessionários, que eu visitava, me mimoseavam com exemplares de 20 quilos, como o bloco de magnetite que o Dr. Ângelo César, que eu descaradamente tinha visitado no seu escritório, no edifício da "Nacional", para "cravar" tal oferta, me trouxe das minas do Marão e que me obrigou a ir de taxi para casa, gastando algumas daquelas moedinhas de prata e caravela que eram as famosas cinco c'roas. Tal peso era o das rochas e fósseis que eu cedi essas secções (R e S) , incómodas e pouco brilhantes, aos Lopes Cardoso (que depois seguiram brilhantemente a advocacia), mantendo no entanto, e com cagança, a secção M (dos minerais) e, desejavelmente, o controlo de tudo - enquanto fazia versos à Célinha. Um problema pulmonar (bicicleta a mais para visitar minas e colher calhaus em Gondomar e na Vila da Feira) fez com que o médico da família, o Dr. Pedrosa Júnior, uma figura gaiense sempre a recordar, me desaconselhasse as minas. Passado tempo perguntou-me se eu tinha já escolhido uma alternativa mais saudável. E eu, que só tinha feito a mudança para a porta do lado do mesmo andar, respondi: Já, escolhi a Engenharia Química! Mas isso ainda é pior, disse o bom do Dr. Pedrosa com o seu sorriso franco e sempre bem disposto. Pois é, respondi eu, mas agora já não mudo mais. E não mudei. Santa Bárbara que, lá em cima e antes de a Igreja a ter posto em "lay-off", ouvia estas coisas todas decidiu ajudar-me sobremodo e disse ao Chefe dos chefes (não é isto a comunicação dos Santos?) que me pusesse em Química com algumas coisas de Minas à mistura - e apontou para os blocos de pirite que do Alentejo subiam em caminho de ferro (antes era mesmo em barco...) para o Barreiro. Assim andei eu e ando - e dá-me imenso gozo estar a mexer naquilo que era o meu primeiro caminho, em terra conhecida, com histórias conhecidas mas em que muito haverá ainda a contar - como me dá angústia a imposição de prazos que ditarão, pior que o "não fazer", um fazer que seja aos meus próprios olhos insuficiente e mesmo assim se eu chegar lá.

Todo este arrazoado recorda-me o "Monólogo do Tabaco" de Tchecov (hoje grafo assim porque me apetece) ou a ida ao supermercado buscar uma exacta coisa e vir com cinco menos aquela, numa figura esbanjante do consumo que ainda é possível, enquanto é. Mas voltemos aos "Corpos e Almas". Maxence Van der Meersch, escritor católico francês de nome flamengo, produziu uma obra realista sobre uma família burguesa, os Doutreval, e um clínico algo inovador no meio médico duma cidade muito curiosa e importante, Angers, com aquele "toque francês" que nos diz ainda qualquer coisa e que nos fazia sonhar com uma outra Europa do além Pirinéus, onde hoje estamos e continuaremos - ainda que de sonho esbatido. "Nada há melhor que o brinquedo que está na montra" - posição dogmática que se diria ter inspirado o Manuel de Oliveira na concepção do "Aniki-Bóbó" tão portucalense como o "Douro - Faina Fluvial" que, porra das porras! (em homenagem à sueva expressão vernacular), não há meio de encontrar em DVD ou forma quejandra. Mas lá estou a fazer agulha!

Bem, tão impressionado fiquei com aquele Van der Meersch, edição da Minerva como a que se mostra (manchada de café) na gravura supra, que quando me apanhei anos mais tarde a estagiar nas Astúrias comprei algumas traduções de outras obras em castelhano (o escritor era católico, donde mais abundantemente traduzido na Espanha da época que entre nós !) que algo me desiludiram - como por exemplo "A Casa da Duna", que o cinema adaptou em 1988 mas que, na sua Pasqualina, achei demasiadamente doce para o meu gosto de potencial "aprendiz de diabético" ou "diabético amador" que é como sou agora classificado, tendo o cuidado de nunca passar os 110 na estrada da vida! A minha posição de admiração quanto ao Autor, que tanto me impressionara com o "Corpos e Almas" e que - estou convencido disso - mandou tantos desses meus Colegas para sacerdotes do templo de Esculápio (visitem a Miróbriga, pois, e se possível com algumas vestais escolhidas a dedo e esquecidas dos respectivos votos!), foi recuperada ao ler um outro romance, "Invasion 14", que mandei vir pelo meu "fornecedor"francês da "Poche" (é "bouquiniste", tem tudo e não cobra loucuras pelos portes) que relata a vida numa cidade do Norte da França ocupada pelos "boches" (de capacete bicudo, ideias curtas e "Got mit uns" no fecho do cinturão!) na I GG.

Não vou aqui entrar numa de erudito à moderna e transcrever como se fosse minha, com pequenos toques, "cocktails de fontes" e erros de tradução, a biografia e a bibliografia do tal Maxence(1907-1951), desencaminhador no bom sentido que é o de encaminhador. Poderão e deverão encontrá-lo em
e digo que vale bem a pena ler pois explica muito do Autor.

Porque é considerado um dos "escritores hoje esquecidos", sinto-me bem por ter interrompido muita coisa urgente e imperiosa e vir trazer aqui - e colocar também no www.sai-tedaqui.blogspot.com, com pequenas variantes (desculpem, mas o "dois em um" ainda está na moda ) - este tributo a um Autor de um dos livros que nos formou e que correu praticamente toda a turma. Só já não sei quem o trouxe. Pena que, para dizer só isto, tenha caído no pecado solipsista de falar tanto de mim, mas se eu não falo de mim e não conto a tempo aquilo que recordo, quem o recordará depois? Ciao a todos!

É tão bom "fazer gazeta"!!! (e muito em especial hoje!)
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Zé Miguel

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