SETE ANOS DUAS VEZES POR SEMANA
OMBROS PARA TRAZ !... COSTAS DIREITAS !... PEITO PARA FORA !... BARRIGA PARA DENTRO ! ...
DR.JOÃO FERREIRA DE SOUSA
Era Médico.
Desconheço o seu percurso profissional até ser professor efectivo de educação física no nosso Licev. Nunca tive oportunidade de conhecer esmiuçadamente o seu currículum..
Mas em meados de 1957 eu tinha já uma ideia de como conhecia ele a organização geral do ser humano, de modo particular desde os respectivos 10 até aos 17 - 18 anos de idade.
Dito de outro modo, eu acabara então os dois anos curriculares de estudos anatómicos, na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto.. Mais tarde, muito mais tarde,terminados trinta e quatro anos como docente de anatomia, tive a certeza: o Dr. Sousa via-nos como se fossemos de vidro, na nossa organização estrutural, .sempre progressivamente variando ao longo daqueles sete anos.Sim, sete anos ! ...e aqui a excelência com que se planeavam as coisas naquele liceu. No nosso tempo, eram planeadas para nós discentes.
O Dr Sousa foi nosso educador físico ao longo de sete anos seguidos. Conhecia-nos pormenorizadamente nas nossa características evolutivas e, por isso, metodicamente nos apresentava e fazia aprender e realizar a exercitação osteo-artro-neuro-muscular apropriada ao nosso momento desenvolvimental E mais, orientava, fomentava, estimulava esse desenvolvimento, ao longo da correta validade dos caminhos a percorrer em função do momento evolutivo de cada um. Por exemplo , lembro bem, aos 10 anos fazia-nos percorrer uma longa trave a 2 palmos do chão , de braços abertos , em lenta passada , para nos desenvolver o sistema proprioceptivo e os processos outros que governam o equilíbrio .Anos depois esse exercício continuava, mas a 2 metros do chão sob o resguardo de um colega, de cada lado, caminhando, sempre sob a extrema atenção de cada um deles, para se prevenir ... just in case... uma queda menos segura.
Saltava-se o pilinto desde o 1º ano... corriamos, faziamos o salto e trupla !... caíamos de anatomias traseiras (cito Malpique) no meio do pilinto. As coisas iam-se complexando.
No ano 7º só já 7 da minha turma de 30 saltavam um duplo pilinto, disposto em T e com todas as «caixas» de ambos. Uma altura de cerca a dos ombros de um homem adulto,
As sapatilhas eram as "do Chinês" (constituidas por uma lâmina branca de borracha vulgar onde se inseria uma lona branca em formato de sapato - e tinham atacadores.). Não havia trampolim nem conhecia-mos ou jamais ouvira-mos falar de tal atavio. De longe, depois de momentos de concentração, corria-mos em movimento uniformemente acelarado e, atingido o momento de um " je ne sais pas quoi " fazia-se «A Chamada».Silenciava-se o Universo, depois de se calar o último passarinho. E voava-se, horizontalmente ao chão, deste modo se percorrendo o mostrengo até se aterrar, após a extremidade oposta do complexo de barreira. Uma intensa e silenciada alegria interior percorri-nos, célula por célula, todo o corpo triunfal do nosso contentamento. «CONSEGUI»!.. Com elegância, abrindo depois os braços, para garantir o equilíbrio após a travagem súbita, mas, também, porque não confessa-lo, com a nobreza da humildada, invadidos por uma pontinha piquerricha de orgulho a roçar ao de leve, a vaidade... CONSEGUI!: Era este o segredo do Dr. Sousa: educar-nos para CONSEGUIR!. Que Homens aqueles Professores!.sempre de olhar "grudado" nas metas dos conseguimentos.
Não me lembro, nem jámais me constou, que alguém se tenha magoado, lesionado ou vitimado por acidente. Era tudo feito em completa e, às vezes, complexa segurança. o que nos desinibia..
A penúltima vez que vi o Senhor Dr. Sousa já eu era internista no Hospital Escolar de S. Joâo. Assim se chamava e assim era à época:. Pela meia noite,um dia, estava eu "de urgência" quando vejo entrar pelo átrio do Serviço de Urgência uma maca movida com alguma velocidade, pelos maqueiros e, transportando uma senhora com idade aparente de mais de 60 anos, loira, de lábios pintados de vermelho, só com o queixo de fora do lençol, abrindo em alta frequência respiratória as asas do nariz e, a seu lado, como que ajudando os maqueiros com uma mão pousada no bordo da maca, o Sr. Dr. Sousa. Dá de olhos nos meus olhos, abre-se-lhe o rosto em surpresa pacificadora de ansiedades ante atmosferas at-e ali desconhecidas, e, largando a maca dirige-se a mim com lágrimas bailando no bordo das pálpebras dizendo-me: Rui acho que vai morrer. Era médico e tinha a perfeita noção da condição clínica de sua Esposa.
Logo estudada imediatamente, pelo grupo de cardiologia, ao fim de uma ou duas horas já recuperara abundantemente e, pela noite fora, foi ganhando características para a poder fazer-se movimentar para um internamento de cuidados mais aligeirados.
Três ou quatro dias depois O Dr. Sousa telefonou-me, pelo meio da tarde, pedindo-me, "no caso de me ser possível" (Sic), para lhe passar lá por casa. O que fiz imediatamente. Encontrei uma casa modesta, de homem que desenvolveu toda a sua vida, e já estava reformado há alguns anos, olhando com os olhos postos na meta do dever cumprido, com ética, todos os dias, até ao fim do dia, e não na meta da pista do dinheiro.
Sua Esposa estava sentada num maple com os joelhos cobertos por uma manta e um roupão branco. Sorriu-me triste e estendeu-me vagarosamente sua mão, que logo notei tinha as unhas de coloração levemente arroxeada, mas não batia as asas do nariz. O Dr. Sousa sabia muito bem que ela estava razoavelmente compensada pela medicação que trouxera do hospital. Mas sabia também que de um momento para o outro podia descompensar. Discutimos os dois a situação, interrompendo o diálogo com perguntas apropriadas à doente. Voltei lá, a seu pedido, uma segunda vez, poucos dias depois. Após cerca de um mês ,falecia, enquanto dormia.
Nunca mais voltei a ver o Sr. Dr. Sousa. Deixou-me a lição da sua humildade e da sua preocupação em fazer bem o que fazia.
O Sr. Dr. Sousa tinha hoje muito que ensinar à nossa juventude, à nossa gente em geral, aos nossos políticos em especial e, sobretudo, às famílias dos mais de três mil alunos do ensino secundário que no ano passado fisicamente agrediram seus professores durante as aulas: HUMILDADE. TER A PREOCUPAÇÃO DE SE FAZER BEM O QUE SE FAZ. E Portugal não estaria hoje, certamente, nos péssimos lençóis em que dorme. Todos os dias.
Dorme!!!, òvistens???. ..
RUI ABRUNHOSA
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