DA ACTUALIDADE
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REVISTA DA ACTUALIDADE
POR
ALEXANDRE HERCULANO
Convidado Alexandre Herculano, na sua qualidade de historiador, a fazer para o nosso blog a história da nossa última década, respondeu não valer a pena gastar muita cera com ruins defuntos... Informou já ter um texto sobre anos 1525-1544 que nos serviria como uma luva. Sugerindo-nos que tivessemos apenas o cuidado de fazer um pequenino restiling.
Mais nos disse que o texto que nos convinha está publicado na História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal.
E diz assim:
«Não escrevendo a história do reinado de D. João III, mal poderíamos, na verdade, coligir aqui todos os vestígios que nos restam da irremediável decadência moral e material do país naquela triste época, decadência que explica sobejamente o próximo termo que teve a nossa independência. Entretanto, para que o leitor possa ajuizar se a Cúria romana (1) estava bem informada, mencionaremos vários factos característicos dessa miséria económica e dessa perversão de costumes de que em Roma (2) esperavam tirar tão assinaladas vantagens.
Já noutros lugares temos tido ocasião de aludir às dificuldades da fazenda pública na época de D. João III e à má administração económica do reino. As actas das Cortes de 1525 e 1535 dão grande luz sobre este assunto. Algumas notas estatísticas, relativas a anos posteriores, esclarecem-nos ainda melhor a tal respeito. São essas notas do conde da Castanheira, vedor da fazenda, e por isso homem especialmente habilitado para apreciar a situação do erário. A dívida pública era em 1534 de mais de dois milhões, soma avultadíssima, numa época em que o orçamento ordinário da receita e despesa não chegava talvés anualmente a um milhão de cruzados. Levantavam-se empréstimos por todos os modos, e, como noutro lugar dissemos, só o juro do dinheiro negociado em Flandres subia em 1537 a cento e vinte mil cruzados. Em 1543 já a dívida estrangeira era aproximadamente igual a toda a dívida pública de 1534. Os juros vencidos daqueles empréstimos tinham sido tão exorbitantes que a sua importância excedia o capital. Calculava-os o feitor português de Flandres em vinte e cinco por cento ao ano, termo médio, de modo que a dívida dobrava em cada quatro anos. Para aliviar, até onde fosse possível, estes intoleráveis encargos pediu el-rei nas Cortes de Almeirim de 1544 duzentos mil cruzados ao Terceiro Estado, o qual ofereceu cinquenta mil. Recorria depois aos empréstimos individuais, significando a cada uma com quanto desejava que concorresse. Estes convites do fundador da Inquisição não eram de desatender, e a generosidade devia tornar-se virtude assaz comum, embora a agricultura, o comércio e a indústria padecessem com essa absorção de capitais. As cousas haviam chegado a termos, ainda antes de 1542, que as pessoas sisudas e experientes quase de todo desanimavam. Nunca de memória de homens tinha sido tão profunda a desorganização da fazenda pública. Nem o rei, nem os súbditos podiam já com os encargos, e era fácil prever que cada vez menos poderiam com eles. Desde que se encetara o camimho ruinoso dos empréstimos, nunca mais se abandonara, e o Estado quase que exclusivamente vivia desse expediente. Como as necessidades cresciam, tratou-se de vender padrões de juro, isto é, de ajuntar a dívida permanente interna à externa, e, apesar da resistência do conde da Castanheira, venderam-se ilimitadamente títulos de dívida pública. Parou-se quando deixou de haver quem comprasse. O próprio vedor da Fazenda achava que já não restavam recursos, nem sequer na alienação das jurisdições, isto é dos direitos majestáticos, pela simples razão de faltar quem tivesse dinheiro para dar por elas. Mas os empréstimos feitos fora do país também não tardariam a cessar, na opinião do conde da Castanheira, e ainda tardariam menos, mostrando-se que o rei de Portugal não cuidava em reduzir as despesas, ou em criar novos recursos para a manutenção do Estado».
Faça o leitor o sugerido restiling...
Rui Abrunhosa
(1) - Leia-se Troica.
(2) - Leia-se os "mercados".
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1 Comentários:
Já há muito tempo que sabemos que a maioria dos portugueses é especialista em viver ou tentar fazê-lo à custa dos outros mas, depois de ler este escrito, começo a desconfiar que «por usucapião» ou outro processo qualquer este vício já faz parte do ADN desses lusitanos e por isso passou a ser congénito.
Abraço do Moreira
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