LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

terça-feira, 10 de junho de 2008

ALMOÇO DOS FINALISTAS DE HÁ 53 ANOS DO LICEV ALEXANDRE HERCULANO - 6


Fernando Morais de Sena Esteves


“O Dois”. Da Turma A. Foi sempre o número 2. Nas 7 turmas A - do primeiro (6 Outubro 1947) ao sétimo ano (14 de Junho de 1954).

Privei com ele, desde sempre, muito de perto.

Joguei futebol, a seu convite, na “Viela”. “A Viela” era um pequeno “reliquat” de arruamento oitocentista (setecentista?) nas imediações da Igreja do Bonfim, convizinhando o terreiro onde, ao tempo de Camilo, o da nossa Avenida, no primeiro Domingo de Setembro, se fazia festa e vendiam melões. O que ainda hoje continua a acontecer, até a ASAE deixar. “A Viela” foi sendo usada por ondas sucessivas de Filhos do Dr. Sena Esteves”. Um deles, o segundo – o José – ficou na História da Cidade: desceu o escadório da Igreja do Bonfim de bicicleta ! . Já agora mais duas pitadas curriculares de outros dois dos 8 irmãos “do Dois”.O Chico, o morgado, antes de ser piloto da Força Aérea, passou de avioneta por baixo da ponte D. Luís. Depois caiu noutra, que quis fazer passar - com um erro de 3 milímetros - por entre dois cabos de alta tensão, no Amial. Foi parar a um campo de couves com direito a página inteira no “JN”. Sobreviveu - sempre incólume – à queda de 5 dos aviões por si pilotados na Força Aérea…; O Agostinho, Médico Estomatologista, ia-me matando ( digo eu, mas ele nega). ”O gajo” era Quintanista de Medicina e eu Caloiro. Deu-me uma boleia quando eu saía do Jardim Botânico onde tinha assistido a uma aula prática do “Velho FQN”. Aceitando a oferta “co-montei-lhe” a “Java”, (a sua “motochiclete”- vermelha baça ), e voei baixinho. Trepidando a prostata e não só, em horrorosos paralelepípedos, derrapando cagaço, no brilhante dos puídos carrís da linha “do 3 ”.

“A Viela” descongestionava o Espírito. Antes de se ir para casa, de cada qual, lanchar, e, depois, tristemente, “escrever, conjugando-os, de ponta a ponta” os “estapores” dos verbos do dia. Um em português e outro em francês. Uma « gandaporra ! …». Que só servia para se «desamar» o estudo, o prazer de estudar, de ler, de cultivar a curiosidade. Quantas vezes me pisguei eu dos “verbos” para o “Herbário” e, depois, para o vício da colecção de pédrinhas. Este “vício”, dos calhaus” foi-me instilado pelo Zé Miguel Leal da Silva . Estou a vê-los…: cubinhos doirados, de pirite, prismas negros hexagonais, de turmalina, dois nacos opulentos de mica, uma lasca, boa, de calcopirite ( Chissa !... uma lasca, boa, de Calcopirite ?!...). E os “estapores” dos verbos a cuspirem nevoeiro fedorento em cima da minha imaginação, sempre, desde há pelo menos 67anos – que me recorde - libertada por mil procuras de belo !…

Algum tempo depois “O Dois” passou a ser “O Sena”. E a puxar o seu cigarro, com humílima elegância, do seu bolso “ad hoc” na porção inferior da superfície interior, à esquerda, do casaco . “By the Way” : Explicado fica, porquê “o Sócrates” acabou com o tabaco. Ele acaba com tudo que está à esquerda.

O Sena tinha o sentido da “Solidariedade”. A mim, quando me via com “traça” e sem “massa” dava-me, com frequência, cigarros, fazendo eu promessa solene, cigarro a cigarro, de, “um dia lhos pagar” – em igual espécie. A coisa foi crescendo. Já era um maço de 20, depois um pacote de 20 maços,…uma caixa de 20 pacotes, … enfim!... num golpe de asa da ternurenta felicidade que nos apertos da Vida sempre me bafejou, “o Sena” deixou de fumar! …

“Um dia” que, só para chatear (os milhares de ávidos leitores deste blog), era já o fim da noite e logo de S. João., ”o Sena” desorientou-se no tempo. Depois de se reorientar no espaço lá conseguiu, de chave e cabeça perdida, chegar a casa, ou, o que era a mesma coisa, ao edifício do Liceu Alexandre Herculano onde, o Senhor seu Pai, na qualidade de Reitor, tinha o direito de habitar a metade esquerda do 3º piso. E aí a perplexão!: Como entrar no seu quarto, sem ruído, sem a chave da entrada no edifício e com a subtil preocupação e gentileza de espírito de não querer incomodar os Pais, acordando-os, com os estridentes toques da campaínha que, depois, se prolongariam, sempre, por circunstanciados relatórios sobre “prondécandasteatégora”!...

“O Sena” solveu tudo. Como sempre fez tudo na Vida. Bem. Com sagacidade, destemor, diria mesmo: imaginativa coragem. Com muita energia física e mental. Subiu, até ao telhado do Liceu Alexandre Herculano, pelo algeroz. Passeou as telhas de vários corpos do edifício, desceu ao varandim já da sua “casa” e que dava para o jardim da pérgula (ver foto em “postagem” lá para traz ,em Junho de 2007, ou por aí), entrou a portada deixada aberta para refrescar a noite, meteu-se na cama (faltam-me documentos que comprovem a hipótese de que ainda vestido, tal qual vinha “do S. João”). E dormiu !. O sono “dos Senas” !!: Todos Justos !!!...

Depois “o Sena” ficou “roxo até às orelhas” – licenciou-se em Farmácia, na U.P (Fig1) . Convidado pela Faculdade de Farmácia do Porto para assumir o cargo de 2º Assistente da Cadeira de Bioquímica ( na linguagem da época) pisgou-se algum tempo depois para os Estados Unidos, onde, durante 3 ou 4 anos, na Washigton University, em St. Lewis, no Missouri, fez investigação cientifica no âmbito dos gangliosídeos cerebrais. Em 1973 publicou a sua Tese de Doutoramento (Fig 2).

Prosseguindo a carreira universitária “o Sena” passou a “Prof. Sena Esteves”. Jubilou-se recentemente, como Professor Catedrático de Bioquímica da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto, de que foi, de resto, por duas vezes, Presidente do Conselho Directivo, a primeira das quais aos 45 anos de idade. Um génio !. Com o sorriso amarelo, típico dos portugueses de bem, hoje. (Fig1 - outra vez)

Como disse de Antero o Eça: «Um Santo» !.

Rui Abrunhosa

Fig.1 - Fernando Sena Esteves: Sorriso Roxo de Farmácia e Amarelo de Portuguesa Paciência


Fig. 2 - Tese de Doutoramento - Faculdade de Farmácia - U.P.
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