LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

domingo, 10 de junho de 2012

"POSTAGEM" PELA DRA. EMA VIDAL PINHEIRO

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UMA CARTA DA DRª. EMA VIDAL PINHEIRO
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Os caloiros de 1947-48 tiveram como Professora de Francês a Drª. Ema Vidal Pinheiro. Toda a gente se lembra: Mulher de meia estatura, magra, diria que bastante magra, tom da tez moreno, olhos vivíssimos, cabelo negro, repuxado na nuca até ao cocuruto, onde resplandescia um "gandapuxo" de disign sofisticado, se bem me lembro, como se a metade de um chouriço de sangue ali, assustadamente se acocorasse.  Altamente energética e decidida, a traços largos e frenéticos  um restiling da Padeira de Aljubarrota. Incutia sentimentos de alta austeridade estrita disciplina e muito cagaço. Insinuando,densamente, sem nunca o declarar, a noção de que, ou trabalhas como um cão, ou chumbo-te. Muitíssimo exigente, sem nunca se lhe ter ouvido uma palavra de apreço e ou estímulo para quem tivesse uma qualquer manifestação de qualidade.
Era Tia do "1" e o "1" era o Alexandre Vidal Pinheiro. A Dra. Ema era irmã do Eng. Vidal Pinheiro que ficou na História do combate à Ditadura do Estado Novo. Entre muitos frutos do seu pensar o Engº Vidal Pinheiro incentivou sempre o desenvolvimento e o fortalecimento do espírito especialíssimo que enformava então o Sport Comércio e Salgueiros. Foi seu Presidente e, nessa qualidade, se empenhou na construção do campo do Salgueiros, em Salgueiros, no Amial. Por isso, o campo do Salgueiros teve sempre  a honra de ostentar o seu nome: Campo Eng. Vidal Pinheiro. Este Homem era pai de 9 filhos de que um dos mais novos era precisamente o nosso Alexandre Vidal Pinheirio. Morreu quando Alexandre tinha 11 anos. A Mãe do Alexandre ficou sozinha com 9 filhos para criar, ou acabar de criar. E aqui se levanta a Heroína Ema Vidal Pinheiro. "Anulando-se" totalmente, doou-se completamente na ajuda a sua Cunhada para levantar 9 cidadãos portugueses fragilizados pela morte e, em tais circunstâncias, de seu Pai. Mulher de Armas, porém, aqui e ali, um tantinho demais. Dou o meu testemunho pessoal: Senti-me sempre um miserável, incapaz de aprender francês apropriadamente. Nunca os meus resultados nos exercícios escritos, nas "chamadas", eram de molde a merecerem prémio. Sempre trambolhei entre noves, dezes e, eventualmente, oitos e onzes por tal forma que passei, no primeiro ano, manco a francês.  Cheguei ao final do 1º ciclo, no então chamado 2ª ano do Liceu, com uma média a francês de nove e meio - o quanto indispensável para ser autorizado a ir a exame. Lá fui. Aterrorizado. É dessa data a minha descoberta pessoal "das dores de barriga", uma coisa assim como que o que sente um dependente do "lorenin" que, por distracção, deixou entrar o fim de semana sem pedir ao porreiraço do médico amigo a receitasita de mais duas vezes três embalagens deste ansiolítico, levemente relaxante e agradavelmente indutor de um sono restaurador......  De lá vim, da Prova Oral com nota final de dezassete valores, completamente lorpa de incompreenção por não perceber porque tinha tido dezasste valores. Várias pessoas adultas estavam na assistência a seguir esta minha  prova oral. Quando dela saí para o corredor, sem eu saber sequer quem elas eram, vieram ter comigo para me  felicitarem com rasgadíssimos sorrisos, dizendo-me que nunca tinham imaginado que um miúdo com 11 anos e só 2 de francês liceal podesse estar durante 20 minutos perante um Professor que nunca tinha visto e um júri de 3 membros a fazer a sua prova oral, toda, rigorosamente, em excelente e fluente francês. A partir do momento em que a ampulheta começou a contar não mais aquela naquela sala, em silêncio absoluto (ao tempo era assim nas Escolas Portuguesas) se ouviu uma única palavra em Português.  
Estes eram, quase sistematicamente, os resultados obtidos pelos alunos que passavam pela inflexível disciplina, energia e qualidade, na transmissão do conhecimento pela mão da Dra. Ema.
Só depois de afixada a pauta descobri o segredo, batendo com a pata dianteira na testa: "A gaja (1) estorcegava-nos os testículos até conseguir que fossemos sublimes!".
A qualidade da transmissão do conhecimento era inexcedível, porém, hoje, com os meus olhos de 75 anos, e depois do muito que observei nos desempenhos e interpretações pedagógicos que a vida me proporcionou para análise e reflexão,   tenho de ser sincero, e dizer que, considero a Dra. Ema uma Professora a tal ponto fabulosa que se lhe pode deixar sem remoque depreciativo mas antes e apenas uma alternativa de opinião dizendo-lhe que o "rewarding" é peça fundamental na melhor pedagogia emanada dos conceitos hoje da psicologia comportamentalista. De par com uma qualidade de transmisão do conhecimento invulgar, subsistiu sempre o conceito de que uma pontinha de cagaço não fazia mal nenhum ao aluno e, portanto, antes chegar borrado ao fim do ciclo a falar francês fluentemente do que elegantemente bem cheiroso porém a fazer só "cagadas" na expresão da língua francesa. Não tira isto nenhuma pinta à elevada consideração pela sua altíssima qualidade e seriedade como Professora. 
E mais: Impõe-se um profundo respeito por uma Senhora que se anulou para ajudar sua Cunhada a entregar a Portugal 9 cidadãos brilhantes.
Há dias, deparei com uma postagem  da Dra. Ema  no blog dos Professores e que à época se chamava LABOR . Com a sua elevada capacidade cultural os Professores de Liceu sustentavam  a prestigiadíssima revista chamada "LABOR".
Está datada de 1969 e já nessa época a Senhora Dra. Ema Vidal Pinheiro estava aposentada enquanto Professora efectiva do 2º grupo do Liceu da "Raínha Santa Isabel" ( assim se apresentava). 
Depois de ser nossa Professora no Liceu Alexandre Herculano, julgo saber, terá sido colocada no Liceu de Bragança de que, não tenho a certeza, tinha  o nome de "Abade de Baçal". Se não tem,... devia ter. Posteriormente terá regressado ao Porto e sido colocada no Liceu da Raínha Santa - Isabel.
Desconheço qual a problemática que na época se apreciava e discutia e sobre a qual a Dra. Ema Vidal Pinheiro convida o Ministro da Educação da época a repensar - neste momento não tenho a certeza mas suspeito seria o Professor José Hermano Saraiva. 
Bateram na minha atenção variadas pequeninas pontas de cristalina semiótica. Escreve por exemplo a Dra. Ema: Pedir justiça é vexatório, fazer justiça é cidadania. Noutro passo, aquela pessoa tão austera e de rosto tão, apetece-me literáriamente dizer, ameaçador, ri-se para dentro e clama pelo cortejo dos estudantes dos seus Tempos da sua Coimbra de então com o carro alegórico transportando a celebérrima estátua da justiça coxa. Por fim  - para não cansar com mais - saliento, impressionadamente, o profundo respeito e apreço que,  depreende-se, presidia ao relacionamento construtivo entre pessoas bem diferentes (admito), em muito, e, na época, no mais profundo dos  modos de estar, ao dizer «Senhor Ministro, Professor também e muito ilustre ...»  acrescentando a sua creditação no relativo à inteiresa de carácter do governante da "educação nacional" dessa ocasião, desse modo lhe reconhecendo  capacidade  para para fazer justiça inteira porque íntegro lhe considerava o carácter, a Sua Excelência.
Comoveu-me por fim o  naco que vou transcrever: «...gosto mais de ver estendida a mão para dar...»
Belo !!! ...Foi essa a sua Lição de Vida. Pelo menos em Família. Desconheço se foi ainda mais abrangente, neste seu modo de estar.
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Peço-vos para não olharem, em redor ... Não quero ficar entupido por vos ter obrigado a corar, só por serem portugueses.Hoje. 10 de Junho. Dia de Portugal (?!).
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Mas vamos à carta da Dra. Ema:
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«Exm.º Snr. Director da Labor
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Li com todo o interesse a Labor de Outubro p.p., como sempre aliás, muito especialmente na rubrica «Interesses do Professorado» a exposição que foi enviada por um grupo de professores agregados, auxiliares e efectivos do ensino liceal a S.ª Ex.ª, o Snr. Ministro da Educação Nacional.
Justas, justíssimas as pretensões ali formuladas e só de lamentar é que dessa exposição fossem excluídos os que, já aposentados, se encontram, todavia, em circunstâncias perfeitamente iguais às dos seus colegas do activo. Se estes servem, na hora que passa, o ensino com devotado sacrifício e proficiência, os que já não estão na actividade o serviram também com o melhor do seu saber, da sua inteligência e não menos dispendio de forças, por vezes bem precárias. Provam.no as suas classificações quer como estudantes ainda, já cônscios da alta respnsabilidade que os esperava, quer depois no exercício das suas funções.
Quero crer que nesta actitude dos Exmos. Colegas, que, à primeira vista podia ser tomada como estranha, não entrou aquele egoísmo que parece fazer parte integrante da geração actual, mas tão somente a certeza de que uma vez atendidos, S.A Ex.ª o Snr. Ministro da educação Nacional não deixaria de englobar no mesmo acto de justiça o professor aposentado.
Ocorre-me, caros colegas, a propósito, um facto ocorrido, há longos anos, quando ainda estudante da Faculdade de Letras de Coímbra.
Desfilava na velha cidade um daqueles famosos cortejos de outrora, por ocasião da tradicional «Queima das Fitas» e entre os carros ornados pelos rapazes de Direito avultava um que ostentava a estátua da Justiça. Esta não apresentava, porém, a atitude clássica de pobreza e majestade, porquanto, erguida a túnica, era visível uma tosca perna de pau. Era coxa a pobre Justiça! Além disso, a venda nos olhos cobria-lhe apenas um e da mão pendia-lhe, não a tão conhecida balança onde são pesados para todos, igual e devidamente, os diversos casos a resolver, objecto de delicadíssima precisão, mas a balança dos merceeiros. Que os honestos comerciantes relevam a graça estudantil de então.
Dizem que o povo português até no pedir é pobre. Quem isto escreveu bem conhecia o nosso povo e quis juntar, a meu ver, mais uma qualidade a tantas que lhe dignificam o carácter.
Pedir é qualquer coisa de deprimente, de vexatório. Gosto mais de ver a mão estendida a dar. Há muito, entendo que a velha fórmula «Pede-se Justiça»  devia ser substituida por esta outra: «Faça-se Justiça», Justiça que deve estender-se, no caso presente, a todo o professorado, qualquer que seja o seu grau de ensino e situação. Ou ter-se-ia de voltar a exibir-se no cortejo dos estudantes de hoje o carro com a celebérrima estátua da Justiça Coxa.
Sua Ex.ª, o Snr. Ministro da Educação Nacional, professor também e muito ilustre, não deixará de fazer justiça a todo o professorado justiça inteira, como íntegro é o carácter de Sua Ex.ª.»
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Sem mais,
Rui Abrunhosa
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(1) - não é falta de respeito... é só, literariamente, um certo "falejaer" nos nossos corredores desse tempo tão bonito...
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2 Comentários:

Blogger Maçarico disse...

Boa noite e boas festas. O meu nome é Tiago Alexandre Eça Vidal Pinheiro da Costa. Sou neto directo do Engº Alexandre Vidal Pinheiro. Devo dizer, que não o conheci pessoalmente. Sou, portando, sobrinho neto da Dra. Ema a qual ainda me foi dada a oportunidade de conhecer. A minha tia teve 9 sobrinhos. Tem hoje 6 sobrinhos. Cerca de 20 sobrinhos netos. Cerca de 60 sobrinhos bisnetos.
Se não vir inconveniente, vou partilhar este seu post com a minha família.
Um abraço
Tiago

24 de dezembro de 2014 às 17:31:00 GMT  
Blogger Suzana disse...

Obrigada pelo seu magnifico texto.

Sou sobrinha neta da Tia Ema e filha do Pedro Almeida D`Eça Vidal Pinheiro, o mais velho dos 9 filhos.

Fiquei orgulhosa da maneira como fala do meu avô e animada com o relato que faz da Drª Ema. Há pouca informação na Internet sobre O Engenheiro Alexandre Vidal Pinheiro e foi a fazer uma busca de informação do meu avô e à procurar das minhas raízes, agora que o meu pai se juntou aos seus, que encontrei o seu belo texto.

Obrigada, irei partilhar com gosto.

Bem haja

Melhores cumprimentos


Suzana D´Eça Pinheiro

16 de abril de 2016 às 13:31:00 GMT  

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