LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

sábado, 13 de outubro de 2007

Cruz Malpique - 1

O mundo é feito de encontros - e os blogues para isso colaboram. As situações que vou referir têm uma exacta sequência e chamam a atenção para o chamado "processo das cerejas" que faz com que os frutos se encadeiem, como se encadeiam os acontecimentos e até como se encadeiam pela sua polaridade as moléculas de água e, nessa realidade escondida, talvez encerrem uma condição de vida.

Nas pesquisas que tenho feito na imprensa periódica de Arouca, com um objectivo muito diverso, deparei com vários artigos de dois professores nossos: o Pe. Brandão (D.Domingos de Pinho Brandão, conceituado arouquense) e do Dr. Cruz Malpique. Deparei igualmente com várias referências ao facto do Professor Carlos Alberto de Brito, Catedrático de Química da FCUP e que aí foi meu professor, ter começado a sua carreira académica no liceu e, concretamente, no nosso LAH - assunto este que tenho na pasta de "pendentes" para saber quando e por quanto tempo se deu essa passagem.

Foi aí que encontrei, num dos textos do Dr. Cruz Malpique, um extracto de um poema ("Tecelã") e o nome do seu autor, um poeta brasileiro que não conhecia (Mauro Mota) - factos que me demonstraram como o nosso Mestre ainda nos pode sempre dar aulas tantos anos decorridos. Procurei documentar-me sobre o poeta, procurei o poema (não deixando de estabelecer um confronto com o excelente "Calçada de Carriche" do "nosso" António Gedeão, autor que também andou nas nossas mãos e sacolas com o seu vero nome de Rómulo de Carvalho - sim, o do livro de Química do 6º e 7º anos, se bem se recordam... ) e tanto gostei deste que o "chapei" numa página recente do meu próprio blogue, prometendo a mim mesmo que o traria a este num relembrar de quem, citando-o, me deu a oportunidade de o conhecer.

E ele aí vai, "blogue" no "blogue":

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"2007-10-11

"A tecelã", poema de Mauro Mota [1]

.

Tecelagem [2]


A tecelã

Toca a sereia na fábrica,

e o apito como um chicote

bate na manhã nascente

e bate na tua cama

no sono da madrugada.

Ternuras da áspera lona

pelo corpo adolescente.

É o trabalho que te chama.

Às pressas tomas o banho,

tomas teu café com pão,

tomas teu lugar no bote

no cais do Capibaribe.

Deixas chorando na esteira

teu filho de mãe solteira.

Levas ao lado a marmita,

Contendo a mesma ração

Do meio de todo o dia,

a carne-seca e o feijão.

De tudo quanto ele pede

Dás só bom-dia ao patrão,

e recomeças a luta

na engrenagem da fiação.

Ai, tecelã sem memória,

de onde veio esse algodão?

Lembras o avô semeador,

com as sementes na mão,

e os cultivadores pais?

Perdidos na plantação

Ficaram teus ancestrais.

Plantaram muito. O algodão

nasceu também na cabeça,

cresceu no peito e na cara.

Dispersiva tecelã,

esse algodão quem colheu?

Tuas pequenas irmãs.

Deixando a infância colhida

e o suor infantil e o tempo

na roda da bolandeira

para fazer-te fiandeira.

Ai, tecelã perdulária,

esse algodão quem colheu?

Muito embora nada tenhas,

estás tecendo o que é teu.

Teces tecendo a ti mesma

na imensa maquinaria,

como se entrasses inteira

na boca do tear e desses

a cor do rosto e dos olhos

e teu sangue à estamparia.

Os fios dos teus cabelos

entrelaças nesses fios

e outros fios dolorosos

dos nervos de fibra longa.

Ó tecelã perdulária,

enroscas-te em tanta gente

com os ademanes ofídicos

da serpente multifária.

A multidão dos tecidos

exige-te esse tributo.

Para ti, nem sobra ao menos

Um pano preto de luto.

Vestes as moças da tua

idade e dos teus anseios,

mas livres da maldição

do teu salário mensal,

com o desconto compulsório,

com os infalíveis cortes

de uma teórica assistência,

que não chega na doença,

nem chega na tua morte.

Com essa policromia

de fazendas, todo dia,

iluminas os passeios,

brilhas nos corpos alheios.

E essas moças desconhecem

o teu sofrimento têxtil,

teu desespero fabril.

Teces os vestidos, teces

agasalhos e camisas,

os lenços especialmente

para adeus, choro e coriza.

Teces toalhas de mesa

e a tua mesa vazia.

Toca a sereia da fábrica,

e o apito como um chicote

bate neste fim de tarde,

bate no rosto da lua.

Vais de novo para o bote.

Navegam fome e cansaço

nas águas negras do rio.

Há muita gente na rua

parada no meio fio.

Nem liga importância à tua

Blusa rota de operária.

Vestes o Recife, e voltas

para casa, quase nua.

Mauro Mota, 1957 [1,3]

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[1] Mauro Mota = Mauro Ramos da Mota Albuquerque, consagrado poeta brasileiro, 1912 (Recife) - 1984 (Recife).
[2] De João Aires (?); reprodução de um já histórico cartão de Boas-Festas da QUIMIGAL, S.A.
[3] Devo o conhecimento deste poeta, através deste poema, ao meu saudoso professor no Liceu de Alexandre Herculano, do Porto, Dr. Cruz Malpique, por
referência colhida num dos muitos escritos com que colaborou nos anos 60 e 70 no jornal "Defesa de Arouca". Por esse facto colocarei também esta mensagem no blogue LAH-1954.
posted by LdS @ 17:59"

[do blog www.sai-tedaqui@blogspot.com]

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Mas há mais...

postoado por ZM


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