LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

quarta-feira, 11 de junho de 2008

"Paredes cinzentas do nosso Liceu" (17/6/1954)

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Atribui-se à Maria Antonieta uma frase que leva a pensar: "só é novo o que está esquecido". É esse o caso. Hoje, após remexer velhos papeis, uma minha Sobrinha e afilhada enviou-me, por e-grama, um poema transcrito por uma velha Tia - já há muito falecida - e que, não tendo o nome do autor, estava datado do ano da nossa saída do Liceu. Não foi difícil descobrir quem era o autor: eu próprio. Escrevi-o (e agora me recordo) para um jantar de despedida, entre nós - e nem sei se acabou por ser lido. É verdade que eu, na altura, alinhavava alguns versitos, uns de carácter assumidamente mais sério (e alguns desses estão no "Prelúdio"), outros de perfil jocoso e voltado para a "malta", como p.ex. uma paródia ao Canto I d' "Os Lusíadas" (mau gosto em falar nisto a seguir ao dia 10 de Junho, mas, parafraseando um cultíssimo japonês meu amigo, "um País que tem a sua festa nacional no dia da morte de um poeta que ainda por cima tão mal tratou, tem o seu quê de especificidade" - a que eu acrescento, num arroubo astrológico: "signo de Peixes o de Portugal, pois claro: o único signo duplo em que as figuras representativas puxam em sentidos opostos"). Chamava-se essa peça bufa "A A-síada"( da turma A, entenda-se) e havia ainda uma "Ceia dos Liceais" que macaqueava a famosa peça do Senhor Júlio Dantas, mas a esse... PIM! E, que eu recorde, também um épico "Ó Sena, põe-te à frente!" verdadeiro trovar de batalha subsequente ao "sequestro no Cinema" (como hoje se designaria), agressivo episódio de uma das guerras "anti-Pilas" ("honi soit qui mal y pense": "Pilas" ou "3,1416las" era apenas o carinhoso "petit-nom" dado a um dos docentes). Como é meu péssimo costume, não fiquei com nada. Nada mesmo, salvo o que se imprimiu no dito "Prelúdio" - cuja história já aqui foi lembrada. Tal facto - e os sucessivos e tumultuosos rápidos duma vida em que terei sido um descuidoso mas alegre "rafter" - impediram que me permitisse persistir em frequentes e insalubres chateações de colegas e amigos com certamente maus poemas, o que em si representa "a vantagem do inconveniente". "Coisas da vida!" - como o tradutor da 1ª versão portuguesa do "Matadouro nº.5" interpretaria o "leit-motiv" do Vonnegut nessa obra (porra! tenho de ter cuidado, não esteja eu a repetir-me também, tanto eu gosto de falar nisto!). Mas vamos ao tal poema, que sobreviveu graças à transcrição da minha Tia Maria Arminda, cuja memória aqui evoco com reafirmada saudade. Este, estrela hubblemente descoberta de uma apagada constelação lírica (ufa! peneirenta expressão!), eu vo-lo ofereço, desprezando o tal risco de vos chatear. Direi apenas que lhe introduziria hoje algumas pequenas correcções e apenas de forma, mas resisti a isso.

Paredes cinzentas

Paredes cinzentas do nosso Liceu
Se soubésseis falar, que longas histórias,
Risos, brincadeiras, tristezas, glórias,
Já tão esfumadas nas nossas memórias,
Podíeis lembrar!!!

E veríeis aqueles meninos de outrora,
Que dia após dia, que hora após hora,
Se foram tornando os homens de agora,
E vos vão deixar!!!

Paredes cinzentas, lá vêm as saudades
Dos tempos passados, das doces idades,
Em que fomos colhendo primeiras verdades
Nos livros, nas aulas, no nosso estudar!!!

E as calças curtinhas, aonde já vão?
Com nódoas de tinta, sujinhas de terra!
E os jogos da bola! E os gritos de guerra!
Os longos combates ao “polícia e ladrão”
Tropas alinhadas, coladas ao chão,
Em lutas tremendas…em lutas sangrentas
Em que a pior ferida era um arranhão!

E o bom do Carvalho, coitado morreu,
E o velho estojo que desapareceu,
O Orlando, o Miranda, o “Batata”
Esse “general” com a cinzenta bata,
Que a rapaziada já tanto envelheceu

E o Pereira, da caixa escolar!
E o Dias do sino
Está frio! Está frio! Um tostão p’ra café!
Quando todo o mundo sabe que é para água-pé!!!

Que tempos… Que tempos…
Paredes cinzentas, tão brancas p’ra nós…

E os professores, tão bons como avós
Dando às teorias a graça das práticas,
Traçando com giz mil coisas fantásticas!
Dizia-nos um:
Os meus pequeninos…

E assim aprendendo, alegres quais sinos,
Julgávamos ser uns “sábios meninos”
E tudo saber!!!

E o nosso Reitor, tão bom, tão amigo,
Que tão triste ficava ao dar um castigo,
E alegre sorria para premiar…
Eu, por duas vezes, queria abraçar!

A primeira a ele, o melhor dos Reitores,
A segunda p’ra todos os meus Professores,
Que ontem ou hoje,
Nos deram a luz, com os seus ditames!
Que se lembrem de nós, nos nossos exames

Paredes cinzentas, do nosso Liceu,
Pequenos canteiros d’além do portão,
Que já me ofereceram uma suspensão
Só de os pisar!!!

Paredes cinzentas do nosso Herculano,
Eis-nos já “velhos”, no último ano,
Querendo fugir, querendo passar,
Para um sonho de agora, a universidade…

Canteiros d’além do verde portão…
Como eu já vos vejo, na minha saudade!
E ó meu Herculano, é esta a verdade
Tens sempre um lugar no meu coração!!!

Em 17-VI-54


Zé Miguel

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1 Comentários:

Blogger António Moreira disse...

Depois de ler estes versos magníficos fiquei com a ideia que já os tinha ouvido. Depois de muito pesquisar no meu «disco rígido» arrisco-me a dizer que foi no jantar de despedida do Liceu e que teve lugar no restaurante «O Vatel» junto à Batalha.
Mais uma vez: Parabéns Zé Miguel»
Abraço do Moreira

29 de junho de 2008 às 10:10:00 GMT  

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