LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

quinta-feira, 14 de junho de 2012

LIVROS QUE NOS FIZERAM - 8

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COMPÊNDIO DE ÁLGEBRA
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3º CICLO
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ANTÓNIO AUGUSTO LOPES
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. Quanto à Geometria  Descritiva e à Trignometria ainda vá que não vá ... mas Álgebra?!... "possa se Marquinhas"... .
Falo de mim próprio, e sinto-me no dever de oferecer o meu próprio testemunho sobre a vivência do ambiente pedagógico que por muitos professores do Liceu Alexandre Herculano nos foi oferecido, Neste caso, centro-me no Dr. António Augusto Lopes e abordarei especialmente a sua regência da disciplina de matemática no nosso 6º e 7º ano, já que também havia sido nosso docente nas para mim "complexicissimas" matemáticas do 1º ano.
Antes de continuar adianto que, por razões estruturais que me são próprias, o conhecimento de matérias ou factos abstractos é para mim quase impossível. Para exemplo: sou médico há 50 anos  e ainda hoje sou incapaz de assumir qualquer responsabilidade na observação e interpretação de um electrocardiograma ... em contrapartida, diria talvés sem ponta de exagero que todo o conhecimento que me foi privilégio adquirir o fiz através dos olhos, ou, dito de outro modo, eu necessito de olhar e ver. A observação das morfologias conduz-me a um pensar de possíveis interpretações dos respectivos significados, reunir-lhes as repercussões de factos sobre factos e escolher uma conclusão, naturalmente que sempre provisória e à espera da recolha de novos factos que a possam rejeitar, ou aceitar, ou, mesmo, melhorar. Não se estranhe portanto que eu tenha sempre sido um apaixonado observador da Natureza, desde criança. e que ainda em idade pré-escolar, com 5 anos, eu tenha descoberto, a sós e por mim próprio, a corrupção dos corpos pela morte ou, dito de outro modo, pela desestruturação das arquitecturas moleculares da vida, quando, encantado, encontrei uma andorinha, ainda quente, mas morta. caída a meus pés. Observei-a atenta e longamente revirando-a entre as minhas mãos, sentindo cada vez mais a necessidade de a guardar para mim e posteriormente, repetir o prazer de a observar.  Matutando sobre como conseguir este desiderato lembrei-me de uma caixa de charutos já vazia que alguém oferecera - cheia - a meu pai. Fui a casa buscá-la, meti a andorinha lá dentro, cavei uma pequena gruta na parede de uma barreira de terra junto ao jardim de minha casa, escondi a caixa lá dentro e tapei o buraco com alguma da terra que escavara. Três dias depois fui reabrir o meu cofre para tornar a ver a minha andorinha e, chocadíssimo, apanhei o bafo de um cheiro que nunca sentira e vi que a andorinha estava fria, mole e nadando num molho como aquele em que nadam os pudins quando vêm à mesa. Acorri a meu Pai para me explicar o que acontecera e, aí, aprendi que tinha afinal observado as consequências da desestruturação molecular da vida. A perplexão foi muito grande, mas o conhecimento novo também.                Toda a minha carreira escolar foi centrada na imensa curiosidade por compreender a vida. E tive sorte, com as muitas circunstâncias que a sorte da vida me foi deparando e me permitiu o culto desse "hobby" que transformei em "profissão" (?). E tinha como fronteira, não sei onde, não sei o quê, mas nela se poderia esperar vir a ter a compreensão do Ser Humano, em todas as suas dimensões, nomeadamente as que eu não sei ainda, suficientemente bem, explicar quais são...Sempre livre, por dentro, sem terceiras intenções, muito menos a de encontrar dinheiro, poder, ou as aparências de um importante da importância portuguesa... e na certeza de que nunca, por e para isso seria minimamente pago... no mínimo de um justo salário... 
Isto é, o desenvolvimento de uma fôrma mental e de um arquivo de entendimentos (sempre provisórios) sempre a partir do olhar e ver. E, olhar, pode ser sentir aromas ou cheiros, sentir morfologias, palpando,  vendo com os dedos, ouvindo cuidadosamente o que qualquer Pessoa, nomeadamente se doente, tem para me dizer e tentando pressentir as interioridades dessa Pessoa.
Assim dito, é-me facílimo olhar e ver o que diz uma radiografia, uma ecografia, uma "tac", uma ressonância magnética, uma micrografia de microscopia electrónica, ou um tregeitar de olhos e rugas com o trespassar de um "je ne sais quois",  de uma lágrima já sem força para esquiar na face, ou, às vezes, e por fim, no mais quente e mais terno da força curativa da palavra, como tão superiormente descreveu o meu colega António Lobo Antunes, já uma outra, «UMA LÁGRIMA COM UM SORRISO DENTRO» ... ... mas é-me impossível, através do registo de electrões,dançando com "shots" e "pássas", na Discoteca  Culex por Cordis, ver no espaço a revolução das cargas eléctricas, muito bem sistematizadas,  concatenadas, ao longo de todas as estruturas do coração. Não  dá!...  Só acredito nos cardiologistas, nunca em mim.E  têm que ser "os que eu cá sei quem são".
Ou seja, acentuadamente incapaz de conhecer na abstracção e pela abstracção, fui submetido aos suplícios e torturas de ter de ser capaz de dominar alguma matemática e o quantum satis de física. Corri graves riscos de não poder entrar na Faculdade de Medicina do Porto por ter estado em extrema dificuldade no lograr de sucesso nas provas de avaliação das matemáticas e das físicas, relativas à finalização do 3º ciclo liceal, ou como se "falejava" na época, acabar o 7º .
Depois destes prolegomenos começa agora a história que vos quero contar.
Era 14 de Junho, era 1954 e eram 12 horas e 5 minutos. E era o encerramento do curso de matemática acabado de fazer pelo Dr. António Augusto Lopes. O "Quedias" acabara de disparar a campaínha que fazia subitamente levantar, num salto de mola de aço, todas as tuberosidades isquiáticas dos 700 alunos do Liceu. Também levantei as minhas, mas, aí, senti um gesto do Dr. Lopes convidando-me a esperar que toda a gente saísse para comigo conversar. Fiquei completamente surpreso com o sibilino e misterioso convite de que ninguém dera conta (porque muito bem feito). Sala vazia e 2 passos do Dr. Lopes para descer do estrado e fechar ele próprio a porta da sala. Ficamos sós. Convida-me a subir ao estrato senta-se na beira da secretária e começa a falar comigo, como quem fala, tu cá tu lá, com um amigo de sempre. E diz-me:       (praticamente sic) « Rui : desculpa demorar-te, mas preciso de conversar contigo para poder eu próprio fazer decisões muito delicadas e muito importantes para as quais preciso da tua opinião e da tua colaboração. Saberás concerteza que eu sei que tu de matemática és um zero desde sempre. Terás reparado que apesar disso quer no 6º ano quer agora ao longo do 7º ano te fui dando  classificações trimestrais que permitissem o velho 9,5 para te não cortar as pernas e te ir dando sempre a chance de te poderes salvar. Tenho decidido proceder assim porque julgo conhecer-te o suficiente para ter a certeza de que tens todas as potencialidades para conseguires saltar este obstáculo das abstracções. Mas até aqui eram testes, agora é uma classificação que fazendo média com as anteriores te vai permitir, ou não, ires ao exame de matemática, lá para 10 de Julho. Se eu te permitir classificação que te autorize a ires à prova escrita do exame tu vais tirar uma classificação de 5 valores (na época a classificação era de 0 a 20). Se tirares 4 és imediatamente impossibilitado de continuares exames e tens de repetir o ano. Porém, quase te posso garantir que o que tens, de coisa nenhuma, te chega para o 5, ou seja, chumbas na escrita de matemática e vais às orais das outras 5 disciplinas.  Terás sucesso em todas elas. E aqui vem a pergunta que te quero fazer e à qual escusas de me responder já, mas tens de me responder dentro de 48 horas. É meu convencimento de que, acabados os teus exames, em 30 de Julho, ( porque és Rui e, por ordem alfabética, entras no último dia  de exames orais da primeira época), se no dia 1 de Agosto, às 8 da manhã, te sentares à secretária onde estudas em casa e até Outubro, todos os dias, sem excepção de sábados e domingos, ali estiveres a trabalhar até às 11 da noite, com meia hora de intervalo para o almoço, um quarto de hora de intervalo para o lanche e meia hora de intervalo para o jantar, ao mesmo tempo que numa horita ou duas, por semana, recolhas o apoio pedagógico de alguém com experiência para te tirar dúvidas e dar sugestões de orientação, em meados de Outubro próximo (era a chamada 2ª época) tu te apresentarás a exame escrito e farás prova oral que no seu conjunto te permitirão passar o exame de matemática da 2ª época com 12 valores. A minha pergunta é: consideras.te com capacidade física e mental para com uma força de vontade férrea desenvolveres este programa?  se sim deixo-te ir a exame com 9,5.  Vais chumbar dentro de 15 dias, com 5 valores na pauta da prova escrita, mas conseguirás os 12 valores no exame da segunda época e assim entrará imediatamente na Faculdade de Medicina.. Se achas que não é possível diz-me com sinceridade e eu reprovo-te já e ficas para o ano a fazer a matemática "sózinha", ou seja, ficarás, por uma disciplina, impedido de  entrar na Faculdade de Medicina como é tua ambição desejo a concretizar ainda  este ano.
Fiquei estupefacto. Deu-me minutos de silêncio e a certa altura perguntou-me: queres-me responder já ou queres esperar. E eu respondi logo: se o Senhor Doutor diz isso, eu acredito nisso. E confio em que isso é possível. Por mim, só, não saberia dar a resposta, mas porque me garante que eu tenho  capacidade para desenvolver esse programa com sucesso, eu aceito o desafio e tem a minha palavra de Honra de que vou cumprir, rigorosamente, o combinado.
Chega Outubro. Prova escrita de Matemática: 12 valores (doze valores)... (!!!...)... 2 dias depois formam-se 2 júris para provas orais por cerca de 12 ou 14 "bicos". À hora prevista, pontualmente, os professores componentes de cada júri já estão nas salas - do antigo 5º A e 5º B. Chega o Reitor Sena Esteves. Sereno, faz 2 grupos de alunos, à sorte e diz: «vou atirar uma  moeda ao ar» (era a de 10 tostões...linda) e proclama:  este grupo vai para a sala do 5º A e aquele grupo vai para a sala do 5º B. Da moeda ao ar  sai-me na sala do 5º A o júri integrado, pois vejam lá por quem! ... pelo Dr. António Augusto Lopes. Sou o 4º a entrar. Subo ao estrado. o Dr. Lopes levanta-se da cadeira e pegando nas folhas da minha prova escrita começa a lê-la e relê-la com um "suspense" "Hitshcóquiano". Vai abrindo, suave e lentamente, um sorriso de muito bem estar. Finalmente, levanta os seus olhos para mim e pousa-os nos meus olhos. Exclama: « ora vamos lá então a isto... Escreve»: ... e assim começou a prova oral, com giz a riscar tranquilamente o quadro preto. Durou um quarto de hora. Saí. Terminados os interrogatórios dos demais examinandos  a pauta com os resultados foi afixada no expositor junto ao vestiário da D. Aninhas. Terminada a balbúrdia da leitura, atropeladamente colectiva, das respectivas duas colunas da direita, o maralhal e seus acólitos desandou. Meia hora depois eu continuava ainda em silêncio, sozinho,  postado em frente do expositor, contemplando, comovido, a minha classificação. Lá estava: «aprovado - 13 (treze valores». É então que me pousa uma mão no ombro. Viro-me e  sinto o  sobressalto da surpresa! Era o Dr. António Augusto Lopes. Que me diz agarotadamente: «Tu não vales mais do que doze,como te disse em Junho, mas dei-te o treze como prémio pela ombridade com que cumpriste o compromisso que comigo assumiste. Fiquei muito contente» e, abraçando-me, concluiu: Que sejas sempre muito feliz   no teu futuro ...Era 13 de Outubro de 1954...
e lá fui, para o meu futuro...
Se Este Homem, se Este Professor, se Este Pedagogo, se Este Educador me não tivesse feito o gesto sibilino para me suster a saída da aula, se não tivesse fechado ele próprio a porta da sala, se não me tivesse convidado a subir ao estrado, ou seja a ficar ao seu nível, senão se tivesse sentado na beira da secretária para descer ao meu nível e se me não tivesse dito eu acredito em ti, e quero que me garantas que também acreditas em ti....Ah! ... eu nunca mais teria acabado "o 7º". Sozinho, perdido o comboio, nunca mais iria "fazer" a solitária matemática, nunca teria entrado na Faculdade de Medicina, nunca teria  sido médico,como aspirava, desde os meus 12 anos, nunca ia poder passar a vida a deslumbrar-me com a VIDA, nunca ia poder PEREGRINAR POR DENTRO DO HOMEM.                                                                                   Ia, talvez, ser rico - Ter - mas nunca poderia vir a ter - Ser - a ALEGRIA DE SER POBRE ENTRE POBRES.
O Senhor Dr António Augusto Lopes salvou-me. Não encontro o como dizer-lhe o quanto toda a vida lhe tenho tributado gratidão, "soliloquiando" entre mim e mim
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Rui Abrunhosa
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Help: Não há dúvida de que, no porco, o esfolar do rabo é o mais difícil... nas e-mucandas também... não percebo porque a ponta final saiu com fundo branco....não foi isso um qualquer propósito meu... abstractos mistérios de abstractas electrónicas, portanto, para mim impossíveis de resolver... «volto cá em Outubro», ... como dizia o Prof Emídio Ribeiro quando não entrevia, durante a visita aos doentes internados, uma proposta de solução para um caso clínico de grande complexidade interpretativa.... afinal,  tal como me  aconteceu a mim " lá para cima".
Pode ser que o Zé Miguel, que sabe sempre tudo, nos faça o favor de concertar isso...    
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2 Comentários:

Blogger Mária Correia de Almeida disse...

Caro Doutor

Sou uma professora de Matemática, também, e fiz doutoramento intitulado "Um olhar sobre o ensino da Matemática guiado por António Augusto Lopes".
Nesta sua entrada no Blog escreveu "Era 14 de Junho, era 1954 e eram 12 horas e 5 minutos. E era o encerramento do curso de matemática acabado de fazer pelo Dr. António Augusto Lopes. O "Quedias" acabara de disparar a campaínha que fazia subitamente levantar, num salto de mola de aço, todas as tuberosidades isquiáticas dos 700 alunos do Liceu."
A que curso de matemática se refere?
O que abordou?
Estavam todos os alunos, os 700?


Mária Almeida
ajs.mcr.almeida@gmail.com

10 de julho de 2012 às 15:42:00 GMT  
Blogger LAH1954 disse...

Regressado de férias, só há alguns dias, li o comentário que a Senhora Doutora Mária Correia de Almeida elaborou sobre venturas e desventuras de um "diminutio capsio". Interessante. Julgo que aspectos de semântica e liberdades literárias merecem um nadinha mais de espaço do que o do "parque de estacionamento" para comentárioas. Vou socorrer-me de uma prateleira do "blog" para nela elucobrar um tantinho sobre as acontecências, entre mais, relatadas e reflectidas nesta e-mucanda.
Convido-a por isso a ir em busca da e-mucanda que se publicará, ainda, espero bem, no Agosto que corre.

Com renovados e respeitosos cumprimentos
Rui Abrunhosa

8 de agosto de 2012 às 11:28:00 GMT  

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