NOTÍCULA - EM 1960 - PARA 2010. HÁ 50 ANOS !
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ESPUMA DOS DIAS
POR
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« Se, no ex-líbris, dum juíz, lemos: Suum cuique! ficamos autorizados a supor que esse magistrado afina pela filosofia da integridade, tendo nascido vacinado contra as peitas, fazendo uma justíça que em nada se assemelha à sombra da vara torta. Na boca desse magistrado, nunca a Justiça se biografará nestes termos gilvicentinos:.
A Justiça sou chamada
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Ando muito corcovada
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A vara tenho torcida,
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E a balança quebrada.
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Por ter o culto do seu a seu dono, a justiça administrada por juíz dessa força moral nunca suplicará que lhe encurtem as mãos - as mãos que em juízes venais se alongam mais do que permite a força humana para chamarem a si o que, em boa verdade, deveriam repelir com todas as veras da alma. Essa tal justiça não suplicará, pois, como a Justiça da Frágoa d'Amor: .
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Fazei-me estas mãos menores,
Que não possam apanhar,
E que não possa escutar
Esses rogos de Senhores,
Que me fazem entortar
Esse magistrado por nada deste mundo e do outro se deixará subornar. Não será dinheiro que o arredará do suum cuique tribure, nem tampouco blandiciosas esperanças de amor o levarão a proferir sentença contra a justa razão. Não será ele que pela mais aliciante das peitas se deixe em barcar na traição à recta justiça. Não se deixará cegar pelos ojos matadores de alguma beldade que o procure, pedindo conselho, em demanda iminente. Não, pois, como aquele magistrado ,de seus sessenta e pico, da Floresta de Enganos, do nosso Gil, em presença de uma mocinha de fazer parar o transito, e que, num apuro demandista, quer ouvir seu parcer:
Yo no quiero
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De vos plata ni dinero,
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Mas privar com vos por cierto
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em lugar mucho secreto,
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Por deciros quanto os quiero,
Por deciros quanto os quiero,
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Yo daré, juro à Dios,
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La sentencia en vueso hecho;
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Y aunque no tengais derecho,
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Todo ello saldrá por vos,
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Y hareis vueso provecho.
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Esse magistrado - homem da dura lex, sed lex - é incapaz de lisongear e de se deixar lisongear, por saber que a lisonja é sempre interesseira, procurando levar a água a seu moinho, mesmo contra as regras da perfeita justiça. Esse integuérrimo juiz, como a Verdade que, no Auto da Festa, do nosso Gil, se dirige a El-Rei, também como ela ficaria escandalizado, ao notar que na Corte, a lisonja é tudo e o resto quase nada:
Oh, grande mal,
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que nunca cuydou que em Portugal
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a Verdade andasse tão abatida,
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e a Mentira honrada, e com todos cabida.
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por muyto melhor e mais principal.
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Oh grã crueldade,
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que os tempos de agora tem tal calidade,
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que todos no paço já trazem por ley
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que todo aqulle que fallar verdade
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he logo botado da graça del-Rey.
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Nunca foi tempo em que o engano
.tanto valesse com lisonjeria
.e a Verdade tivesse tão pouca valia
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Tudo isto e o que mais se não diz, nós o poderíamos ler nas entrelinhas do ex-libris com a legenda do Suum cuique »
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Transcrito de : Cruz Malpique - Filosofia Amena do Ex -Libris - edição do Autor , Braga 1960, Depositária: Livraria Pax Editora . Braga (pgs. 20-24)
Rui Abrunhosa
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