LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

NA ÚLTIMA HORA DO ANO DO 2º CENTENÁRIO

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NASCIDO HÁ QUASE 201 ANOS, "DORME" HÁ 134. AGORA Negrito ... AQUI! - LEIAM-LHE A PEDRA NUM DOS TOPOS DE SEU TÚMULO



Diz assim:«Aqui dorme um Homem que conquistou para a grande Mestra do Futuro, para a História, algumas importantes verdades»
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ALEXANDRE HERCULANO DE CARVALHO E ARAÚJO
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Nasceu em 28 de Março de 1810, numa das casas que delineavam o «Pátio do Gil». Foi, presumo-o, na que se vê de frente quando se observa a fotografia da Fig. 2, feita, não consegui apurar por quem, publicada pela "Ilustração Portuguesa" em 1904 (1) e reproduzida em (6) . Este daguerrotipo representa o recanto da Rua de S. Bento, em Lisboa, onde, Alexandre Herculano, depois de ver a luz do dia, aprendeu a dar os seus primeiros passos, conheceu Outros, de sua igualha, no tamanho, quiçá na condição social, seguramente na dignidade infinita de seres humanos e com quem aprendeu a brincar, brincou, mais, estou disso certo, se treinou a respeitar essa dignidade infinita de qualquer Ser Humano - só porque Homem - ao longo de toda a sua vida.. Digo isto porque, ao que parece, é por essas idades que se semeiam e ficam a aguardar germinação, muitas das comportamentabilidades que depois vamos ter, vamos praticar, vamos defender... .

Fig. 2 - Pátio do Gil - aspecto muito provavelmente idêntico ao do tempo em que ali nasceu e brincou Alexandre Herculano. (6)
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No blog «acultura.no.sapo.pt, de Carlos Fontes, (3) se arquiva fotografia, bem recente, colorida, onde se exibem muralhas de aço, amarelas, "à là" "wild duck" (apropriadamente legalizado), para isolar o terreno - agora já limpo - dos "casebres" que ali, ainda de pé, agonizavam.
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Quem designa estas construções de "casebres" é Vitorino Nemésio, (4) quando legenda fotografia enquadrando um dos cantos deste pátio (Fig.3). É obviamente de data posterior à que acima reproduzimos na Fig.2 . Atente-se no alargamento e levantamento em arco da porta que, na imagem recolhida há mais tempo, estava tapada por um homem postado em frente de roupa branca a secar . A imagem reproduzida por Nemésio ocupa toda a página 97 da edição, em 2003, pela Imprensa Nacional-Casa da Moeda, de « A Mocidade de Herculano», a "opus magnum do Prof. Nemésio", como lhe chama o Prof. Luís de Oliveira Ramos, (4) ao considerá-la obra prima da cultura portuguesa . Na respectiva legenda, em segunda linha, entre parêntesis, Nemésio comenta: « o casebre da direita é provavelmente do tempo de Herculano» - Fig. 3.

Fig.3: -... «o casebre da direita»(?)... Nemésio dix... .
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Esta do "casebre da direita" faz-me parar em perplexão!...e a si, meu atentíssimo, preclaro e "numeroso" leitor , tenho a certeza de que também... (o "numeroso" pifei-o ao meu colega Brito Camacho de uma qualquer sua intervenção, no Parlamento da 1ª República, em que, com o muito bom humor que o caracterizava, bengalava deputado outro, de que perdi o nome e se representava, sozinho, a si próprio...a História e as histórias repetem-se sempre... "né?" enquanto pela -também ela numerosa - Lei de Darwin não se der mais uma puladela... e foi isso o que Cristo veio sugerir).
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Perplexão? «é assim»: As fotografias 2 e 3 - reparem, olhando e vendo mais devagarinho - são de uma e a mesma coisa . Porém ( o porém, tal como o puré, cai sempre bem...) porém, dizia, uma delas, melhor, o daguerrotipo de uma delas, foi rodado 180º, ou por quem o passou a papel, ou por quem dele produziu a placa litográfica e, assim, o «casebre do tempo de Herculano», ora aparece à esquerda, ora se mostra à direita!.
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Fig. 4: "Situs inverso" da Fig. 3. , electronicamamente provocado. Agora "o casebre da direita" aparece à esquerda, como, também assim era, na Fig .2.

"Àtão cáis dambasiduas é a bordadeira"?. Não sei...perguntem ao "wild duck", "póssê cainda salambre!" "À cânvra numbalapena"... um tal comportamento, de assentimento á rasia, indicia "nem sequera" saber "cugajo" de nome Herculano, até recebia cartas de algumas figuras da mais alta cultura europeia, como "prinazemplo", Schiller, o do Hino da Alegria, da 9ª, do Luís, e tutti quanti , e, ( se não erro,não estou nada seguro) também de Vitor Hugo, tinha nascido e brincado ali. Mais, o qual fora, há já muitos anos, considerado, por Vitorino Nemésio como «um dos maiores portugueses de todos os tempos e, talvez, o mais actuante do nosso século XIX...»(4) ... Chissa!!!...e, muito menos sabia, deduzo do selvático comportamento, que um tal gajo havia nascido ali!!! AH!!!... fácil de fixar ...no pátio do Gil, um recesso da Rua de S. Bento, em Lisboa! Nem assim!... Num país de "wild ducks"... de parolos da cidade, de adoradores do bezerro de ouro, lá se foi mais uma casa berçário, do génio, da nobreza de carácter, do estoicismo, da capacidade de trabalho, da dolorosa busca da verdade, da coragem de Ser, do Nojo pelo parecer e pelo "aparecer"... "Se calhar", ... por isso mesmo!... e "já lá vamos ao que venho"...

Mas quem sou eu "para vir para aqui ao que venho", precisamente no último dia do ano do 2º centenário do nascimento de Alexandre Herculano « sobre dele» "escrevedeirar"?.
E aqui se desembrulham três explicações:
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1 - Fui aluno, do «Liceu Alexandre Herculano», na Avenida Camilo, no Porto: caloiro em 1947-48 e finalista em 1953-54...Num discipulato de sete anos consecutivos.
2 - Em Fevereiro último, estando eu , um dia, « posto finalmente em sossêgo», depois de esvasiado de energia, por cerca de 12 horas de trabalho profissional, abro este nosso blog, para me conceder uma pitada de "hobby" - recomendo culto de hobby, sempre, enfatizadamente, aos "meus" doentes, quando os reconheço estrelhaçados pela nacional-neomerdungueirice em que o país se deixou atolascar - abro, dizia, este blog e deparo-me com uma "mucanda" do José Miguel Leal da Silva, cujo título perguntava:"Que se passa com o 2º Centenário do Nascimento de Alexandre Herculano?!" (cito de cor) . Caí,... de tuberosidades isquiáticas!...

3 - Pois não passou nem passa nada,... para ser mais justo e mais científico, pois não passou quase, quase nada! Estalando os dedos, dando uma palmada na testa e uma murraça na mesa, exclamei, ruidosamente, em silêncio, no silêncio da minha recolhida alma e dos berros das minhas doloridas tuberosidades isquiáticas: É espantoso! - realmente... nunca tinha reparado!. Nem no "intigamente", nem agora, ao menos no ano do 2º centenário (!), nunca ouvi ningém falar, informar, iluminar, explicar, descrever, aprofundar, a Pessoa, a personalidade, o pensamento, a Vida, a história e a História de Alexandre Herculano!... mas porquê? - «that "was" the question»!... Porquê???.

E é então que me incumbo a mim próprio de me esclarecer a mim mesmo da razão de ser destas obscuridades, destas "assobiações"para o ar, no "intigamente" e, pior(!...), no "agoramente". Ou seja, aproveitar os meus ínfimos momentos de liberdade e os meus raros "intervalos lúcidos" (me diria Pessoa) para me responder áquele assombroso, assombrado, ensombrado, interrogante «porquê».

E descobri. São muitas as razões...como as facetas do diamante, cada uma emitindo a sua nuance de luz. Fui percebendo a pouco e pouco. Ainda não percebi tudo, mas já dá para partilhar alguma coisa, contigo meu "numeroso leitor". O que irei fazendo. Agora e, quiçá, em futuras "e-mucandas". Se tiver tempo. E "intervalos lúcidos"...

Estou em púlgas para contar a primeira. Afigura-se-me de grande centralidade na consistência interna de sua Vida. Desde a sua jovem adultez, até poucas horas antes da sua morte. Avanço, por isso, desde já, este seu grande jorro de luz, o seu brado de justificante clareação, em momento em que era vítima de selvático ataque pelos "interesses" da ocasião: «...eu só quero o governo do País pelo País!...».

Pronto!... quilhou-se!!!...No seu tempo... nos tempos das escurecidas sombras do "intigamente", que fomos aprendendo a distinguir, autodidáticamente, quando frequentavamos o Liceu que ostenta, na fronte granítica, o seu nome, descascado da pedra, a guilho e martelo e, tristeza major, imaginem!!... nos tempos do "agoramente"!... "perdida a Esperança"..., por entre os ardís dos donismos, das tricotações por borboletas da noite, pousadas com escondidores mimetismos nas cascas de frondosas árvores, fazedoras, de novo, de sombras geladas, a serviço da ganância de curtos lobies, dos autoritarismos dos impérios e dos seus sátrapas, da força escravizadora da finança sem fidúcia..., sofrendo enfim, ou afinal, os fidelíssimos (enquanto não apareça quem pague mais), atentos (não vá acontecer a surpresasinha de uma afiada facada, no fígado, por algum dos vastos amigos que correm e concorrem a seu lado) e obrigados (aí não!.. e ainda por cima com o pesadíssmo sacrifício de ter que receber o irrecusavelsinho prémiosinho da caminha confortavelsinha, nos off-shores, onde se "imbaporam" complicadíssimos IERRECÊS, IERREÈSSES e não só)... ná, ná...ná!... Falar desse gajo ... do que ele dizia e pensava?... era o que mais faltava!... ainda por cima logo agora, que estamos em crise e a "massa toda que se arranjou" quase não chega, para as covinhas de tantos, tão alvos e sorridentes dentinhos, com tantas e tão boas razões, «a haver por convenientes», para celebrar uma certa 1ª Républica, deitar os foguetes e apanhar as canas ... ná, ná, ná... "praquê?... ninguém vai reparar ... "

Mas houve quem reparasse. Abram o local «http://brancoalmeida.com/sociedade/bicentenario-do-nascimento-de-alexandre-herculano-«o universo numa casca de noz». (5)

Branco de Almeida inventaría neste seu blog, as sessões de homenagem realizadas de modo tímido, quase escondido, com envergonhados olhanços «de pórco» diz-se assim, no Alto Douro e na Beira Alta - porque típicamente por baixo das orelhas derramadas para diante, semitapando a visão - sem antecipada e suficiente informação pública dos actos a acontecer, em salas restritas, para assistências pelos círculos da "gente bonita" e da gente que "merece estar". Elenca e transcreve também crónicas publicadas nos nossos diários e periódicos onde pessoas cultas, bem documentadas, fizeram intervenções de indiscutivel interesse para o grande público. Pela minha parte identifiquei em todo o país,"a few" ( a few, aprendi eu com o nosso fantástico Professor de Inglês Dr. Melo de Carvalho, significa «6 ou 7, ouviste?...») "a few" actos públicos para se ouvir alguns oradores, ou mesmo cultos conferencistas. Um deles foi o Prof Guilherme d'Oliveira Martins, sobrinho tetraneto do Historiador Oliveira Martins, e homem de altíssima cultura e invulgar capacidade pedagógica. Examinou Alexandre Herculano em conferência que proferiu na Cooperativa Árvore, no Porto. Na Bibliteca Pública Municipal do Porto também aconteceu, "secretamente", (desculpem lá a graçola à Café Piolho) uma "Sessôe Soléne" de que só soube, por acaso, meses depois. Não encontro publicação de quem e do quê lá se disse, mas comprei - por 5 euritos - na Recepção, onde fui muito amavelmente atendido - uma pífia publicação com alguma documentação relativa ao acto, à intenção e não só (6). Quando digo pífia, desejo apenas anotar, como hipotese de explicação, espiatória de má consciência, que a Câmara Municipal do Porto, com o rigor de contabilista que se lhe reconhece, não se chegou à frente, porque já tinha a massa, para demonstrações culturais, toda comprometida para as corridas de sameiras na Avenida da Boavista. Em Lisboa botou-se falação em - julgo - 2 locais. Um deles se me não engano foi numa das academias, mas não consegui descobrir qual. Mais descobri, isso sim, que a Senhora Ministra da Cultura não pôs os côtos - para o efeito - em lado nehum. Esta dos côtos, não é má criação, tenho o maior respeito pela Pessoa da Governante "da cultura de então", é só um falejar à moda da "Esquina do Pirata" (e quem genuínamente andou no Liceu Alexandre Herculano, sabe, muitissimo bem, a força cultural que tinha a "Esquina do Pirata). Alguns até puseram "o salazar" no Olho da Rua ou vieram a ser professores catedráticos em várias Universidades do País e do Mundo e, até, ... Ministros! "Prontus"... já desabafei... mas, como diz, para ir avançando a captura da atenção do Toloespectador, o quase carapinha, abrilhantinada, dos futebois elitistas e sulistas, serodiamente dominicais,"o facto a reter"(sic) é este: A Ministra não pôs os cotos em lado nenhum! ... Um espanto!. Os Professores Cândido Beirante e Jorge Custódio na sua Obra "Alexandre Herculano -Um Homem e uma ideologia na construção de Portugal" (7) publicam dois interessantíssimos mapas de Portugal onde se assinalam os locais em que ocorreram manifestações, afirmações e testemunhos de veneração pela figura moral, ética, científica, literária e política de Alexandre Herculano, nas comemorações do primeiro centenário do seu nascimento e nas comemorações de 1977/1978 relativas ao primeiro centenário da sua morte. Neles contabilizamos, no primeiro caso , 30 Conferencias, 4 Exposições, 6 espectáculos e 73 manifestações cívicas. Aquando do centenário da sua morte ocorreram 124 Conferencias, 26 Exposições, 27 Espectáculos e 21 Manifestações cívicas.

Uma imagem, diz a cultura chinesa, vale mais do que mil palavras. Vejam as fotografias publicadas pela Ilustração Portuguesa (sete, reproduzidas em 6) aquando das comemorações no Porto e em Lisboa do primeiro centenário do nascimento de Alexandre Herculano e, depois, esclareçam-me se durante este século último andamos para a frente ou andamos para trás. À Pòpi, lá diria ele: "se uma fotografia vale por mil palavras, uma caixa de fotografias -7- vale por 7 mil palavras.(Figs. 5, 6, 7,e 8).
Fig.5 - Manifestações Públicas na Praça do Comercio em Lisboa. Fev. 1910. In: "Ilustração Portuguesa" cit. em (6).
Fig.6: Estudantes da Universidade de Coimbra deslocaram-se a Lisboa para se integrarem nas cerimónias da Homenagem Nacional no 1º Centenário do nascimento de Herculano.Op. cit. in (6)
Fig.7: Manifestação Cívica de Homenagem a Herculano na Cidade do Porto. Fevereiro de 1910.Observem-se, entre mais, os aspectos da Rua dos Clérigos, da Praça da Liberdade, e a concentração na rua que suponho ser de Santo António. Ao cimo, à esquerda, mostra-se a Mesa que presidiu à sessão solene no Salão Nobre da Biblioteca de Almeida Garret ao Jardim de S. Lázaro. Op. Cit. in (6) .

Fig. 8:Os Portuenses terminando a Manifestação de Homenagem a Alexandre Herculano, junto à entrada Principal da Biblioteca Pública Municipal do Porto de Almeida Garret de que Herculano foi o cabouqueiro do seu desenvolvimento quando dela começou por ser Sub-Director, por nomeação de D. Pedro IV, que, para o efeito, o retirou das fileiras dos Voluntários da Rainha, (depois de tomarem e ocuparem a Cidade do Porto), como também para lhe confiar a salvação do património cultural do País nas Províncias do Minho e de Entre Douro e Minho, cuja vandalização roubo e destruição pelo fogo se havia iniciado a mando do Usurpador Miguel.
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Se me apetecer continuaremos mais adiante, mas, por agora, voltemos ao nascimento, à infância e ao desenvolvimento da jovem adultez de Alexandre Herculano. Tentemos surpreender, apreender e interiorizar a atmosfera, os cheiros , as cores, a luz e as pesadas sombras da época, a sacrificada e intensiva pobreza de quase todos os portugueses, o energúmeno poder e a vomitogénea riqueza, enquanto, e só, porque com dolo para terceiros, de, dizem os cientistas das ciências sociais, cerca de trezentos "intestinos ambulantes" (Malpique) que possuíam então o país, no pior sentido do termo. Tentemos surpreender e interiorizar, os "Gulags", de vária índole , entre todos , o dos mais refinados, embusteiros, hipócritas, ignorantes, corruptos, monstros, erigidos pela filhice da putice de se apresentarem, criminosamente, como legítimos representantes do Filho de Deus - Cristo !... - e, por tal, falsificadores, organizados numa tenebrosa organização, a quem chamavam, em requintes de falsificação, de Igreja Católica (?!), para a qual fabricaram a «Santa Inquisição» (filhos de uma tripa!!!). Foram com isto e nisto, pioneiros das e nas metodologias, das Tchekas, das NKVDês, das STASIs das GESTAPOs, das PVDEs, das PIDEs, das DISAs, das CIAs, dos "olheiros" dos "partidos" e "repartidos", dos estratégicos membros, de low profile, das hierarquias encarregadas, com finuras de relojoeiro, de espremer a dignidade de quem trabalha, usa-la em benefício de interesses reles genéticamente desenvolvidos para a capacidade extrema da incapacidade de Amarem a Dignidade Infinita de Todo do o Ser Humano - na fábrica, no banco, na universidade, na refinaria de combustíveis, numa arquiorganização sugadora, até ao último glóbulo rubro, da energia de quem nela labora (enfim! os membros, nas hierarquias, encarregados do trabalho sujo) , usando essencialmente duas tecnicas muito simples e muito experimentadas: a do garfo a espetar nos olhos «da Pôva» e a do pau bem encebado, muito liso, muito alto, e com um bacalhau, às tantas de plástico, lá na ponta de cima. Por outro lado a disseminação, em locaizinhos de onde se possa cocar bem, onde não é preciso trabalhar puto, ao ter-se em atenção serem delegados não sei de que merda, locais, dizia, onde o que é indispensável é embaraçar, estropiar, trocar os líquidos dos frasco, difamar, caluniar - com arte e ecos bem concatenados - ou seja os locais dos falsos "trabalhadores"(?) a serviço de ocultíssimos e longínquosíssimos braços, encarregados de empobrecerem e espoliar a riqueza de todos, pela preguiça, pelo grão de areia, depositado, com pinças, nos sitinhos mais delicados da máquina. Ao que acresce o esmero com que se faz a colocação, rigorosamente estudada e planeada, dos programadores da imbecilização colectiva, com especial e especializado cuidado para com crianças e jóvens, na colocação, dizia, nos chamados"media", dos agentes principescamente pagos, às vezes pelos nossos impostos, encarregados da gestação da molúscula passividade de alienados, bem drogados, pelas pílulas do consumismo, do amiguismo, do umbiguismo, e, ou dos fomentadores da inveja, potenciadora da vilania - «onde há inveja não há amizade!...» (gravou na pedra da Sabedoria, Luís de Camões) . Em tudo isto pontificando o egoísmo diencefálico (só do Bicho travestido de homem), as lógicas desprovidas da cerebração telencefálica (só do Homem), nunca imbuídas, mas antes esterilizadas, do afectuoso respeito pela dignidade infinita do Ser Humano, só porque Homem, apesar de todas as fraquezas com que tantas vezes erra. Enfim: Porque desenraizados do Amor, programadamente esvaziados de Amor e da Capacidade de Amar. E, pelo Amor, intima e livremente sentirem, mais do que o dever, a necessidade de Amarem na Solidariedade, onde o mais frágil estará sempre em primeiro lugar e tanto mais em primeiro lugar quanto mais frágil se mostrar e menos voz tiver para rogar essa solidariedade. À mercê da calúnia, da perfídia, cobardemente escondida atrás das ancas de milhares de cavalos e demais acessórios impostos pela Força Bruta da Bruta Ignomínia dos Ignominiosos Impérios dos Interesses . Por 10 cêntimos capazes de matarem o pai se soubessem quem ele era!....
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Três anos antes do nascimento do menino Alexandre Herculano, o Marechal Junot passeou as suas tropas, calma a tranquilamente até Lisboa onde, como contam os cronistas que viram, chegou, todo cagado, com a tanta lama e estrumes que teve de cavalgadamente atravessar. Apenas lhe puseram obstáculos, de tipo guerrilha, os bravos, humildes e pobres habitantes dos trajectos por onde ia passando a sua arrogância e a sua manifestação de força. Muitos "parolos da cidade" (à época tinham a designação de nobres (?) - agora são, dizem por aí, mas eu nem acredito, "CEO"s, administradores, directores gerais, consultores, gestores, financeiros, saltitantes ministros de saltitantes "lobbies",com bem estabilizadas "sociedades de advogados" para previamente preparem, muito bem, o Gruyère legislativo) conviviam a doçura dos privilégios do absolutismo então reinante em Portugal, o qual, devastadoramente, ocupava já a maior parte do território da Europa da época. Mostravam-se com frequência enamorados da ideia de virem a constituir-se nos pequenos capatazes da lusitânia napoleónica (a História repete-se sempre -"né?"). Havia mesmo portugueses de nobrérrimo(?) e alto coturno, integrados no tríptico das tropas napoleónicas que atropelaram Portugal! . E porquê toda esta ânsia, fremência e preparação psicológica, de toda esta gente, porem pouca, em, "rapidamente e em força"(onde é que eu já li isto?) juntar apropriado curriculum ?. O objectivo era o de poderem vir a ser qualificados, tidos e havidos - parafraseando o Embaixador Marcelo Matias em entrevista, há poucos anos, à Antena 1 da RDP - como «os portugueses importantes (?) da "importância"(?) portuguesa» ( as aspas, e ponto de interrogação são meus...) na futura e aparentemente infalível "napoleónica Lusitânia Setentrional".
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Maskéssa merda lá da Lusitânia Setentrional ?!...
Recapitulemos o Tratado de Fointainebleau (27 de Outubro de 1807 (8) - Herculano nasceria em 1810) : "-Artigo 1.º A província de Entre Douro e Minho, com a cidade do Porto, se trespassará em plena propriedade e soberania para Sua Majestade o rei da Etrúria (hoje Toscânia na Itália), com o título de rei da Lusitânia Setentrional. -Art.2.º A província do Alentejo e o reino dos Algarve se trespassarão em plenos propriedade e soberania para o príncipe da Paz, para serem por ele gozados, debaixo do título de príncipe dos Algarves. -Art.3.º As províncias da Beira, Trás-os-Montes e Estremadura portuguesa ficarão por dispor, até que haja uma paz, e então se disporá delas segundo as circunstâncias, e segundo o que se concordar entre as duas partes contratantes. -Art.4.º o reino da Lusitânia Setentrional será tido pelos descendentes de Sua Majestade o rei da Etrúria hereditariamente e conforme as leis da sucessão, estabelecidas na família que ocupa o trono da Espanha. -Art.5.º O principiado dos Algarves será tido pelos descendents do príncipe da Paz hereditariamente e conforme as leis de sucessão estabelecidas na família que ocupa o trono de Espanha. Art.6.º Se não houver descendente ou herdeiros legítimos do rei da Lusitânia do Norte, ou do príncipe dos Algarve, se disporá por investidura do rei de Espanha, de maneira que nunca se unirão debaixo de uma só cabeça, nem se anexarão à coroa de Espanha. Art.7.º O reino da Lusitânia Setentrional e o principado dos Algarves reconhecerão como protectora Sua Majestade "Católica"(?), el-rei de Espanha, (as aspas são minhas e o question mark também) e em nenhum caso os soberanos destes países farão paz ou guerra sem o seu consentimento. Art.8.º No caso de que as provìncias da Beira, Trás-os-Montes e Estremadura portuguesa, tidas em sequestro, se devolvam na paz geral à casa de Bragança, em troca de Gibraltar, Trindade e outras colónias, que os ingleses têm conquistado à Espanha e seus aliados, o novo soberano destas províncias terá, relativamente a Sua Majestade "Católica"(?) , el-rei de Espanha, as mesmas obrigações que tem o rei da Lusitânia Setentrional e o príncipe dos Algarves, e as terá debaixo das mesmas condições. Art.9.º Sua Majestade o rei da Etrúria cede o reino da Etrúria em plena propriedade e soberania a Sua Majestade o imperador dos Franceses e rei da Itália. Art.10.º Assim que as províncias de Portugal, forem definitivamente ocupadas, os diferentes príncipes que as devem possuir nomearão mutuamente comissários para verificar os seus limites naturais. Art.11.º Sua Majestade o imperador dos Franceses e rei da Itália garante a Sua Majestade "Católica", el-rei de Espanha, a posse dos seus domínios no continente da Europa, situados a sul dos Pirenéus. Art.12.º Sua Majestade o imperador dos Franceses e rei da Itália se obriga a reconhecer a Sua Majestade "Católica", o rei da Espanha, como imperador das duas Américas, quando tudo estiver pronto para Sua Majestade assumir este título, que pode ser ou ao tempo da paz geral ou o mais tardar três anos depois daquela época. Art.13.º As duas altas partes contratantes concordam mutuamente em uma igual divisão das ilhas, colónias e outras possessões transmarinas de Portugal. Art.14.º O presente tratado será tido em segredo. Será ratificado e trocado em Madrid dentro de vinte dias, o mais tardar, da data da sua assinatura". .
«E esta ...hein?!!!...» (9)
Com o que fica dito se intui, se compreende até, qual era a atmosfera na sociedade Portuguesa quando nasce Alexandre Herculano no Pátio do Gil que acima mostramos. Acrescentemos ainda que o General Massena faz a 3ª e última invasão francesa do território de Portugal quando o bébé Herculano tinha seis meses de idade.
Resumindo: quando nasce, Alexandre Herculano encontra o País transformado no paradígma da miséria, entregue à ignomínia, à arrogância e à boçalidade de 300 intestinos ambulantes e recreio das gabarolices e caprichos dum gajo de metro e meio, senhor da Europa, que nem um chapéu sabia pôr - em vez de o colocar a direito, punha-o atravessado ! ... .
Seu Pai, Teodoro Cândido de Araújo era recebedor da Junta dos Juros, ou seja, como se diz hoje, funcionário da Junta do Crédito Público. Isso permitia-lhe ter um lar minimamente sustentado por forma a, nomeadamente, admitir a possibilidade de (como se dizia ainda na minha infância) "pôr o miúdo a estudar" e, de alguma maneira, educar também uma irmã mais velha de Herculano . Porque era essa uma das vocações da Congregação Religiosa conhecida como os "Oratorianos" e fundada por S. Felipe Nery, o Pai de Herculano pediu refúgio e apoio para em um de seus colégios instruir o filho. Entretanto e enquanto não tinha idade para ser recebido pelos Oratorianos foi o próprio Pai de Herculano, diz Herculano, e não consigo lembrar-me onde lho li, quem o ensinou a ler e a escrever. Frequentou os Oratorianos desde 1820 até 1825. Entretanto o Senhor Teodoro Cândido de Araújo contraiu uma doença (não encontrei informação para intuir qual , ao menos por hipótese), e que rapidamente o levou à cegueira, em 1827 (10). Sua mãe, Maria do Carmo Boaventura, dedicava-se às tarefas de mãe e esposa. Não tinha réditos próprios. A partir daquele funesto acontecimento, a família ficou sem sustento. Instalou-se nela o vácuo económico-financeiro. Esta ocorrência teve diversas consequências na vida de Herculano. Se já era muito bem educado pelos Pais, passou a ser ainda mais bem educado pelo estoicismo do seu carácter e pela força da sua vontade (11). Fez-se por isso, autodidaticamente, ao longo de toda a sua vida, uma figura culturalmente da maior importância e, como diz Nemésio (4), um dos maiores Portugueses do século XIX sem que para tal tivesse de frequentar qualquer das foleiras universidades de então. Mas gostava de nunca deixar esquecer e sempre relembrar, como o faz em carta ao Jornal do Comércio em 07/12/1862, que «pertenço pelo berço a uma classe obscura e modesta: quero morrer onde nasci». Felizmente, digo eu... (12)
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E a quem pertencia então Herculano: Saramago faz uma descrição fabulosa no "Memorial do Convento" do porquê o Rei D. João V se meteu a transformar Mafra numa "pedreira imensa", motivado pelo "orgulho, tendo por fundamento o nada". Ou seja, ordenou a construção de "a magnifica ninharia de Mafra"- três respigos de textos do próprio Herculano, feitos por Nemésio (4) é o que se lê nestas três citações que acabo de marcar por aspas.
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Em 1711 casava Caetano Tomás com Maria Rosa de Sousa. Eram bisavós maternos de Herculano. Ele afeiçoava pedregulhos de mármore que depois de belos eram montados na construção do mosteiro. Se calhar... pisei alguns deles quando como soldado cadete, nele fiz a recruta em Janeiro de 1963. O bisavô de Herculano foi um dos "arrebanhados à força" (expressão de Herculano, ou de Nemésio - não me lembro ) por D. João V. Socorro-me uma vez mais de Nemésio para lhe usar citação que faz do próprio Herculano: "As maldições submissas dos que foram arrastados de todos os ângulos da monarquia, para esta grande anúduva nacional, e as lágrimas das suas famílias não as pôde sufocar a adulação cortesã; transudaram até nós - nas páginas da história e caindo sobre o ataúde dourado do príncipe que as fez verter, deixaram a inscrição do seu nome manchada de uma nódoa que o tempo não gastará" (4-pg ). Posteriormente, Caetano Tomás vem trabalhar para Lisboa, por exemplo, para tirar um plano de tudo que pertença ao edifício do colégio de Santo Antão. E porque seu filho, Manuel Caetano era já encorpado adolescente introduz-lo nos segredos do manuseamento da pedra e do mármore, quiçá até fazendo-o aprender rudimentos de arquitectura. Manuel Caetano era o avô de Herculano e pai de sua Mãe. Manuel Caetano chegou a ter prestígio na côrte, que lhe entregava a concepção e realização de obras importantes: como diz Nemésio, ao morrer "levava para a cova mais de 30 anos de arquivoltas, estrados e arcos triunfais". Tinha 2 irmãs, de que uma delas tinha casado com António Rodrigues Gil, viúvo de Maria Quitéria, irmã de Caetano Tomás (não se percam ... o bisavô de Herculano). Caracteriza Nemésio: «uma familagem de agenciadores, carpinteiros, pedreiros e filhas de pedreiros, gente que crescia em haveres e subia placidamente ao rítmo das pedras nas lingadas«. António Rodrigues Gil era afinal o construtor e dono do Pátio do Gil (Fig 2). Colhi toda esta informação de Nemésio (4).
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Fig.9: Recriação de foto oferecida a um amigo de Évora (não apurei quem). Fotografado já depois de chegado do exílio?(Julgo que sim).Por quem ?(não sei, nem encontrei quem saiba).Quando?(também não sei... a sua idade aparente parece-me de 23-25 anos, mas desconheço-lhe a idade real.

Se estou certo, quando da fotografia acima já estaria no Porto. Depois de desligado dos "Voluntários da Raínha", por despacho do Imperador do Brasil, Pedro I, nosso Rei, por uma semana, D. Pedro IV. Hoje diríamos, talvez,"passado à disponibilidade". Estes Voluntários da Raínha, onde Herculano era soldado raso, de espingarda aperrada, depois de desembarcados, não no Mindelo, como erroneamente diz a esmagadora maioria de quem escreve sobre o desembarque, mas na praia de Arnosa, em Pampelide, conseguem tomar grandes nacos das imediações da cidade do Porto, por exemplo a zona onde hoje vivo, onde celebramos nos últimos anos os nossos "ultra cinquentenários", onde o F.C. Porto teve o saudoso Estádio das Antas, (desfilei nele como atleta do clube, na tarde da sua desastrada inauguração - comemos 8-2 do Grande Benfica) e mostra hoje, a "tudo o qu'é europa" a mágica Sala de Concertos designada de «Estádio do Dragão» (ali levou o Jesusístico Vieira os"cinco-zero" do ano passado). A sul do Rio Douro só conseguiram apossar-se da preciosa Serra do Pilar, com "polacos" à mistura, como chamava o Povo, aos descamisados de Vila Nova de Gaia, à futrica, que ali se juntaram para defender com unhas e dentes posição tão estratégica, comandados pelo Coronel Torres, mais tarde, por essas e por outras, promovido a General Torres - o que dá hoje nome ao sítio de "Blanova de Gaia" designado de General Torres , e, por isso, também à Estação do Metro de General Torres e à Estação de Comboio da linha Porto Lisboa de General Torres. Vitoriosamente entrados nesta cidade do Porto , a gente sulista, absolutista, comandada, à distância , pelo punho de ferro e a forca de madeira em colunas de granito, do irmão de D. Pedro IV, o usurpador do trono, D. Miguel , pira-se, em debandada sem olhar para traz, para os 7500 supremamente comandados por Pedro que libertam, tomam e se instalam na Cidade do Porto. Miguel, assustado, mas refastelado no seu sofá de 8o.ooo (repito, oitenta mil) homens (arrebanhados sabe-se lá como,... à porra,à massa, a chicote...), vem ao Norte. ou melhor dito, instala-se na Senhora da Hora ( então "muito longe ainda" do Porto) e, dali, organiza e comanda o «Cerco do Porto». Herculano já não participa, como soldado, em toda esta sacrificadíssima e muitíssimo prolongada (quase dois anos) resistencia militar e civíl . Não por benesse, mas, porque, nomeado por D. Pedro, em comissão de serviço - diriamos hoje - para salvar do saque , do fogo do vandalismo a preciosa riqueza documental guardada em mosteiros e outras instituições culturais do Minho e Douro Litoral, ao mesmo tempo que lhe entregava a reorganização da incipiente biblioteca do Porto ao tempo ainda instalada no chamado "Hospício de Santo António" («e esta ...hein?... ai se o Herculano sabia que ali "haveria de haver" o Hospital de Santo António - E.P., Empresa Pública !!! ... ) de "Vale da Piedade", na Cordoaria, onde teve seu primeiro gabinetezinho. Desenvolveu-a depois magistralmente, pelo que foi posteriormente transferida para o Paço Episcopal, no terreiro da Sé, e, ainda mais tarde, para o edifício onde ainda hoje se encontra, voltada para o Jardim de S. Lázaro. Tem hoje o nome de Biblioteca Pública Municipal do Porto de Almeida Garrett.
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Herculano gostava de se deixar fotografar e de ser retratado pelos pintores do seu tempo . Aqui deixo a hipótese de que o original desta fotografia resulte de daguerotipo feito no Porto, algures na hoje Rua de Santa Catarina, junto à hoje praça da Batalha. A imagem que mostro é a que me saiu, do retrato original - sépia - de entretenimento meu, de recreação pessoal..

Pois bem: como já vimos, nascido no Pátio do Gil, ali tendo feito a sua primeira infância, entra no Colégio dos Oratorianos depois de seu Pai lhe ter já ensinado a ler e escrever. Veja-se como ele próprio conta isto no seu Curriculum Vitae: «estudou as Humanidades nas aulas dos Congregados de S. Filipe de Nery, com destino para a Universidade. Não seguiu esse destino por ter seu Pai cegado em 1827 e sido aposentado, faltando-lhe por isso os recursos para a continuação dos estudos superiores» (13).

Inicia então a busca autodidática do conhecimento e da verdade. Por temperamento, educação e influência dos Oratorianos constroi-se na vontade férrea, no estoicismo, no respeito pela dignidade infinita do outro. Faz um curso de «Diplomática» e «Paleografia» na Torre do Tombo e frequenta aos 20 anos a chamada Aula do Comércio. Aprendeu, por si, Francês, Inglês e Alemão. Também veio a dominar o Espanhol. Aprende a "olhar e ver". Compreende a condição de pântano, lodo e estrume a que o País chegou . De suas leituras descobre quem, na Europa, (abotou-me com a expressão feliz de Gomes Ferreira), já tinha «Saudades do Futuro» já pensa o futuro e fica a saber que não é obrigatório ser assim. O absolutismo sob D. Miguel e dos 300 possidentes do país que o respaldavam tinha atingido as raias da infâmia.
Revolta-se. Perde. Não por culpa própria mas pela irresponsabilidade, indisciplina e caos com que se levantou com ele o Regimento de Infantaria 4, em Campo de Ourique. Na sua Autobiografia dedica a este Monumento de Cidadania e de Audácia uma curta linha: «Implicado numa tentativa de revolução em 1831, emigrou para Inglaterra de onde passou à França (13)». Mas quem viu e quem sabe, sabe que no fim do dia do levantamento, D. Miguel já tinha enforcado dezenas de companheiros seus. Herculano, escondido na noite, recebe o apoio de humilde pescador que no seu barquito o leva Tejo adentro até ao navio inglês aí ancorado e para onde é içado pela marinhagem. Este navio entrega-o já em alto mar a outra embarcação francesa que, dirigindo-se a Inglaterra o desembarca em Plymouth. Não gostou. Das pessoas, da ambiência social da negridão da cidade, da ausência de ambiência intelectual em que pudesse confortar-se. Algumas semanas depois sai para França, chega a Rénes. Gosta. Tem cultura, tem gente que sabe pensar e o acolhe, tem biblioteca. Nem um ano depois, sabe de D. Pedro, (I do Brasil e IV de Portugal) organizando na Ilha Terceira um exército para invadir Portugal. Larga Rénes, larga a biblioteca e os amigos que já ali tinha e apanha a primeira boleia que consegue para viajar para a Terceira e ali se incorporar nos "Voluntários da Raínha"..
Exílio curto?
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Os exílios não são curtos nem longos. São exílios. São agressões brutais ao mundo íntimo de quem o sofre. Quem sou eu para disto falar. Convidemos a faze-lo o nosso José Augusto Seabra. Foi meu pinchas de carteira. Eu era o 16 e ele o 17, do 3ºA (1949-195o) Fizemos juntos, centenas de vezes, "de pesada pasta na mão" a viagem a pé, da Praça das Flores para a Avenida Camilo e vice-versa. Ele sim, enquanto sofredor de sucessivos exílios, tem altura e cultura para nos dizer o que lhe vamos "ouvir" no seu maravilhoso ensaio "Alexandre Herculano ou a Cicatriz do Exílio" (14): «Naquele rosto que todos conhecemos, por nos ter ficado gravado na remniniscência de um Herculano austero e inteirisso, talhado a buril, uma marca indelével sobressai, entre os traços rigidos adoçados pelo olhar azul: a de uma cicatriz, incisão visível de uma qualquer ferida a supurar por sob a sutura irremediável do tempo..»
Que ferida será essa? Talvez se a conseguissemos tocar, aflorando-lhe com os dedos a polpa viva, ... revelando-nos o estremecer súbito de um corpo. Esse corpo é hoje para nós um corpo outro: o seu corpus textual.» ... «Numa ressurreição carnal, qual os cristãos nas catacumbas nela criam - e Herculano era um desses, desterrado numa época de decadência com a sua anacrónica voz de profeta.» «"anagramas do corpo''» ... «de que fala Roland Barth. Ela tem em Herculano um nome, que ele passou toda a vida a declinar, na vida e na obra: o nome de exílio, nome simultaneamente maldito e tentador que por duas vezes elegeu como último recurso de homem livre - exílio exterior, durante a emigração liberal e exílio interior no afastamento voluntário para Vale de Lobos, antes de proferir a terrível frase final: ''isto dá vontade de morrer''». (14).
O próprio Herculano conta em "Apontamentos de Viagem" (15): «deixei uma família querida não por alguns meses, por um futuro indefinido, não para viajar tranquilamente entre concidadãos e amigos, mas para vaguear na terra estrangeira, pobre, só, abandonado. Reclinando-me doente, não sobre os coxins de uma gôndola, mas sobre o duro pavimento da coberta de um navio, também duas lágrimas me rolaram nos olhos, mas sustive-as, porque me envergonhei de mim mesmo; envergonhei-me de ser fraco ... ».
Não foram estas as duas únicas lágrimas de Herculano no desterro. Nas suas «Tristezas do desterro»(16), depois de evocar Isaías -«Erit tristis et moerens»- escreve logo no primeiro fragmento desta sua poesia: «Terra cara da pátria, eu te hei saudado dentre as dores do exílio. Pelas ondas do irrequieto mar mandei-te o choro da saudade longínqua. Sobre as águas, que de Albion nas ribas escabrosas vem, marulhando, branquear de escuma a negra rocha em promontório erguido, donde o insulano audaz contempla o imenso império seu, o abismo, aos olhos turvos, não sentida, uma lágrima fugiu-me, e devorou-a o mar. A vaga incerta, que rola livre, peregrina eterna, mais que os homens piedosa, irá depô-la, minha terra natal, nas praias tuas. Essa lágrima aceita: é quanto pode do desterro enviar-te um pobre filho.»
O José Augusto Seabra no seu ensaio sobre os exílios de Herculano, em tudo isto refletindo, porque de tudo isto sentiu também, na carne, a vivência inóspita do desterro afirma com sentida sensibilidade: «Um verso, um só verso lhe poderia servir de inscrição tumular, ''para ele a pátria renasceu no exílio''...» (14).
E prossegue Seabra: «A trajectória de Alexandre Herculano mover-se ia desse modo, para parafrasear Fernando Pessoa, ''entre dois exílios'', o que, de 1831 a 1832 o atirou para as vagas emigradas da segunda revolução liberal, de Inglaterra para a França, e da França para a Terceira (até ao desembarque no Mindelo), e o que, após a regeneração e a sua decepcionada intervenção no pronunciamento de Saldanha o acabou por remeter enfim para a solidão altiva do seu refúgio de aldeão, de onde só excepcionalmente fazia ouvir a sua voz pública de protesto moral. Mas, essa trajectória não se circunscreve a um itinerário político homólogo do Liberalismo português, de que Herculano é o mais significativo expoente, ela é outro sim uma trajectória literária, e antes de mais poética, cuja estrutura trágica tentaremos evidenciar em vez de nos perdermos nos meandros das efemérides que as balizam...».

E diz mais o José Augusto: «Entrado na vida literária ainda adolescente, pelas mãos da Marquesa de Alorna, ao lado de Castilho, em plena reacção miguelista, logo Herculano se viu catapultado para as andanças da proscrição política, após uma revolta militar na qual temeráriamente se envolveu em 1831, salvando-se in extremis da sorte que aos seus correligionários couberam: a chacina implacável. As raízes que mal o prendiam à vida adulta e criadora foram assim brutalmente transplantadas, aos 21 anos, ficando a gotejar para sempre».
«Era como que um enxerto prematuro que não podia pegar»... «foi a inadaptação do moço e escritor às plagas britânicas» ... ''aqueles horríveis tectos ingleses de telha negra''... escrevendo cita Dante: ''Per me si va nella cità dolente''» ... «fobia» ... «''a toda uma sociedade hostil baseada no ludíbrio e no interesse"». E Seabra transcreve uma vez mais do «Mestre» (como lhe chamavam seus amigos na sua roda cultural : '' não achais isto um tipo de cobiça e avareza? Um pensamento enganoso? O algodão tecido à surrelfa com a lã? Não descobris lá o pensamento do tratado de Methwen ou de desembarque do Quiberon? Não se revela no coaxar das rãs de Wordsworth e dos poetas dos lameiros, o British Interest ?".
.Não gosta, não se dá bem, não sente estímulo intelectual nem ambiência de cultura. Não tem Biblioteca. Alguns semanas depois já atravessa a Mancha rumo a Grandville. A França a que chama sua ''segunda pátria''. E escreve (continuo a colher de Seabra) «Ao aproximarmo-nos da França o coração não bate violento, nem se derramam lágrimas, como ao avistar a terra em que nascemos; mas o ânimo desafoga-se e abre-se à esperança» ... «Íntimas relações do afecto e da inteligência» ... «Lá está o centro das ideias que hoje agitam os espíritos, tanto no que respeita as questões sociais como no que interessa à ciência e literatura, porque lá vivem os escritores que melhor conhecemos, que até amamos como se fossem nossos» (14)..
Ao preparar o fecho do seu trabalho sobre a cicatriz do exílio, mostrando como modelo - qual auto-retrato - a figura de Alexandre Herculano quando espreita, de fora, pelas vidraças ,o íntimo de Eurico o Presbítero, cita: «com a profunda inteligência do poeta o presbítero contemplava - escreve Herculano - este horrível espectáculo de uma nação cadáver e, longe do bafo empestado das paixões mesquinhas e torpes daquela geração degenerada, ou derramava sobre o pergaminho em torrentes de fel, de ironia ou de colera, a amargura que lhe tranbordava do coração, ou recordando-se dos tempos em que era feliz porque tinha esperança, escrevia com lágrimas os livros de amor e de saudade.» (por gralha da edição, não aparece impressa a referência de onde Seabara retirou este parágrafo). «Como não ler aqui o destino de Herculano, desterrado em Vale de Lobos, como estivera na sua expatriação de emigrado?». Seabra acentua ter detectado, disseminadas em todas as outras obras marcas deste exílio, no Bobo, nas Lendas e Narrativas, nos Opusculos, na História de Portugal... como que, e cito Seabra, «num reabrir constante duma ferida infinita.» E continua «em vez de tentar fecha-la num quaquer código suturado, há que deixá-la sangrar em cada leitura, até ela banhar a nossa própria condição de exilados.»
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E termina José Augusto Seabra o seu ensaio "Alexandre Herculano ou a cicatriz do exílio": «Reler Herculano, hoje, é antes de mais libertá-lo dos mitos a que a sua figura deu lugar, é exaltá-lo ou denegri-lo, opor neleo liberalismo ou a democracia, é esquecer que este "burguês dos quatro costados, liberal ferrenho", tinha, como hoje não têm muitos, a coragem de escrever «que importa o respeito da propriedade ao que nada possui? Que vale a liberdade de palavra para quem só tem de proferir maldições e queixumes.» .
Remata o José Augusto «e se o seu apego à terra era tal que não sacrificava as suas faias de Vale de Lobos ao Paris que conhecera no exílio, Herculano sabia, como ninguém, que a pátria do poeta não tem fronteiras, pois, como escreveu na Harpa do Crente, "Só onde é livre tem pátria o poeta"». Relembro-vos ter eu dito lá atrás, que só o José Augusto Seabra tinha o direito, a altura e a cultura para nos confiar as interioridades do exílio. Este parágrafo de 3 linhas é o profundo e sentido auto-retrato do José Augusto. Nele se sente a iluminadíssima projecção que faz, sobre a figura de Herculano, de muitíssimos aspectos do seu modo de estar, sentir e pensar. Por isso o quiseram espatifar no seu exílio em Moscovo, por isso o quiseram espatifar no seu exílio em Argel, por isso triunfou no seu exílio em Paris. Por isso lhe não deram ouvidos, depois de regressado, quando, diria, inundado de uma ingénua porque esperançosa Alegria, se sentou e, fazendo lembrar Unamuno na retoma da sua aula, de onde fora escorraçado anos antes, a recomeçou com doce e calma voz: «Como ibamos diciendo....» .... não, não deram ouvidos... há dois séculos a Herculano, quase dois séculos depois ao nosso "Xiabrinha"!... O País já tinha os novos donos. Os sucessivos donismos. Num regresso ao pântano, ao lodo, ao estrume. E, como Herculano, José Augusto Seabra exila-se uma vez mais. Um e outro deixam hienas, chacais e mabecos nos uivares das noites necrofágicas. Cada um deles vai para seu "Val de Lobos"..
Dizíamos acima que o Herculano retratado na fig. 9 poderia ter 23 anos, ou seja, vivera já toda a tragédia do desterro e da libertação de Portugal após o desembarque na praia de Arnosa, participando numa guerra civil e libertando a cidade do Porto. D. Pedo IV já o teria passado à disponibilidade, como se diz hoje na tropa, e nomeado segundo bibliotecário da Biblioteca Municipal do Porto. Estaria já cuidando e classificando a documentação preciosa das pequenas bibliotecas de mosteiros e de outras instituições no norte do País. Estaria introduzindo na Biblioteca do Porto metodologias apropriadas ao arquivo e científico aproveitamento das publicações. Começava a descobrir tesouros na "papirada" e na "papelada" que lhe ia passando pela mão, enquanto lhes tirava o pó. Tinha já tempo para pensar no significado de tais documentos. Começa a desenvolver no seu espírito o projecto de fazer, no âmbito da História, até aí mais ao menos ao sabor de histórias e fantasias de cada qual, a investigação científica da História de Portugal, investigação científica na História, de que foi pioneiro na Europa, onde ao tempo muito raros tinham já idêntico propósito.
E que fez Herculano "entre a fig.9 e a fig.10", como também entre todas as demais que por aí abaixo se vão mostrando, que fez ao longo de todos os anos de sua vida em que arduamente trabalhou na elevação do País para níveis de decência que há muito tinha perdido?. O que foi fazendo à medida que se ia deixando fotografar ou pintar como o documentam a sequência de imagens que a seguir se apresenta. Estão todas modificadas do original. Por mim próprio. Num recreante, recriante e reintrepretante atrevimento - desculpem lá, mas é preciso muita lata e muita irresponsabilidade para livremente ousar exprimir o profundo sentir das magnificas alturas a que este Homem se alcandurou subindo a pulso, livre, os terríveis obstáculos e os inenarráveis sacrifícios, incompreensões e solidões da busca da verdade.
Mais uma vez, me pergunto sobre quem sou eu para sobre este tema me permitir "escreveidar" seja o que for. Pensei. E resolvi. A grande solução para solver esta dificuldade é ir dando, de tanto em tanto, na contemplação de cada um dos retratos de Herculano, citações do que ele próprio escreveu sobre o que ele próprio pensou, pedindo uma vez por outra ajuda a quem sobre ele já tantas horas estudou pensou e escreveu.
Iremos intercalando entre cada um dos retratos, citações do que escreveu, ou alusões ao seu perfil intelectual, por pessoas que meditaram os significados do seu modo de ser e de estar. E já agora diga-se "en passant". Ao longo das longas horas que gastei "procurando Herculano" nunca, nada, encontrei, se não o Homem de Trabalho no singelo construir do seu Ser e do seu modo de Ser. Herculano nunca investiu um cagagésimo de segundo ou de erg no "Ter", no "Parecer" ou no "Aparecer". O Cancro, hoje, da sociedade portuguesa. Já lá dizia a Hermínia..: «anda Marceneiro!...»
Fig.10 -Herculano pintado a óleo em 1854 (com 44 anos) por João Baptista Ribeiro (recriado pelo entretenimento do escrevinhador).
Por exemplo: está a prefaciar a 3ª edição da sua História de Portugal. Começa por dizer: «Quando há 17 anos publiquei a 1ª edição deste volume destinava o encetado trabalho para estudo de um princípe, então na puerícima que em futuro remoto quando a incerteza das coisas humanas permitia ajuizá-lo, devia reinar em Portugal». Refere-se ao Príncipe D. Pedro de quem foi preceptor. Era filho de D. Maria II e de D. Fernando. D. Fernando tinha uma profunda consideração por Herculano. Estabeleceu-lhe de seu bolso pessoal uma tensa mensal de que Herculano disfurtou durante anos desse modo tendo assegurada a completa e profunda liberdade para se dedicar exclusivamente à vida intelectual, ao mesmo tempo que organizava a Biblioteca do Palácio da Ajuda. Mais adiante continua Herculano: «no vigor da idade, povoado o espírito dos sonhos dourados da ambição literária, único dos vãos ídolos do mundo a que fiz sacrifícios, habituado ao tabalho perseverante que conquista o pão, e dispensado enfim de pensar em adquirir este, poderia aplicar tempos e hábitos a pagar uma dívida e, conjuntamente, satisfazer uma ambição que hoje me faz sorrir. Excedendo pouco a idade dos 30 anos quando deliniei os primeiros traços de uma empresa ousada, dotado de organização robusta, medindo os horizontes da existência não tanto pelo compasso dos anos, como pela intensidade dos esforços de que me sentia capaz, se duvidei de que chegasse a completar o edifício cujos alicerces lançava, tinha firme fé em que ela subiria a uma altura na qual fosse comparativamente fácil a outrem pôr-lhe o remate. Tal foi a origem deste livro. A sua sorte, porém devia ser diversa da que eu previra».. .
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Em sua partilha com o leitor, mais revela: «A publicação da História de Portugal tinha chegado ao quarto volume, e as matérias para o quinto, que completava o quadro da primeira época da monarquia, estavam em parte coligidas. A obra fizera ruído e suscitara a animadversão daqueles que querem acomodar a história às crendices do vulgo, às preocupações nacionais, aos interesses que nela se estribam, e não corrigir e alumiar o presente pelas lições da história. As repetidas e variadas agressões contra o livro e ainda mais contra o autor denunciavam, em geral, a existência e os intuitos de uma parcialidade irritada, cujos membros procediam de acordo e cujos interesses a nova publicação viera acidentalmente ferir. Provocado injustamente, repeli essas agressões, porventura com demasiada dureza, e, descobrindo nelas um pensamento antiliberal, fui mais longe.» (Atenção, digo eu, que o liberalismo de Herculano e dos pensadores seus coetanos não tem "puto que ver", nem "a ponta de um corno" de confusão, com aquilo a que hoje se chama liberalismo. Este é uma metodologia instrumental dos, às vezes, mais ferozes interesses economicistas e, muito menos, tem a ver com o mais recente neoneoliberalismo que me não dispenso de classificar de, sempre selvagem, e produto de coisa muito outra, a metodologia de desenvolvimento económico a que se deu o nome de liberalismo económico, o qual, com requintes de malvadez, à medida que se foi aperfeiçoando ,é hoje a virose que tem Portugal nos estertores da morte, por tamponamento laríngeo). E prosegue Herculano depois de eu o interromper: «Ao livro sem intenção política fiz seguir um que a tinha. Vendo no partido que engrossara a ocultas, e que, antigo, se recompusera com elementos novos, um perigo para a sociedade, trouxe à luz uma das mais negras páginas da sua genealogia, página que se não é o seu eterno remorso, há-de ser a sua eterna condenação perante Deus e os homens. Os três volumes da História do Estabelecimento da Inquisição provaram, sem réplica possível, uma verdade importante para a solução da luta que agita a Europa; provaram que o fanatismo ardente e ainda a simples exageração do sentimento religioso são mais raros do que se cuida e que o vulgar é a hipocrisia, de todos os frutos da perversão humana, o que mais severamente foi condenado pelo Divino Fundador do cristianismo».
De facto o entrechoque é entre quem defende interesses próprios, atilhando máscaras para perversamente praticarem a infâmia em nome de Quem, exactamente, proclamou a Verdade que lhes não servia e quem com espírito científico investiga a verdade histórica. No rigor das interpelações de significados aos documentos e resultados que vai colhendo, criteriosamente criticando as forças e fraquezas dos argumentos que suscitam. Leiam só a título de exemplo, em notas do autor, no fim de volume, a propósito da última doença de D. Afonso III, escreve: «No manifesto feito em 1320 por D. Dinis contra o principe D. Afonso (depois Afonso IV), diz ele que, seu pai Afonso III lhe dera casa «em tempo que passara ja el per deseseis annos e avia bem catorze que elrey D. Affonso jazia em huma cama e que se nom podia levantar» (Gav. 13, Maço 11, nº 12, no Arquivo Nacional). Assim, Afonso III teria jazido entrevado desde 1264. Apesar, porém do testemunho de D. Dinis, os documentos dizem-nos que ainda em 1269 e 1270 ele viajava durante o rigor do inverno pela Beira, Estremadura e Alentejo (livro de D. Afonso III L 1, fs.92, 93, 97, 98, 109). É verdade que o achamos residindo constantemente em Lisboa desde Abril de 1270 até Novembro de 1272 (ibid., fs. 98 a 118), mas já em Santarém desde Dezembro desse ano até Maio de 1273 (ibid., fs. 118 a 122), donde tornou para Lisboa. Aqui se conservou até Setembro (ibid., fs. 121 a 126), achando-se de novo em Santarém (por ocasião das cortes) desde Novembro até Abril de 1274 (ibid., fs. 126 a 129), voltando a Lisboa para não mais sair da sua nova capital (ibid., fs. ss.). Que a doença de Afonso III não era considerada senão como pretexto para não ouvir os delegados vê-se na bula De Regno Portugaliae. É crível que o Rei consumido pelos cuidados de uma longa vida agitada e talvez pelas devassidões, fosse valetudinário; mas também é muito natural que, como Luís XI, soubesse naquela conjuntura tirar vantagens desse inconveniente, e que no seu tolhimento, que, pelo menos, não durou tantos anos como depois afirmava D. Dinis (príncipe mui pouco escrupuloso em desfigurar os factos históricos), houvesse uma parte de farsa. Todavia a sua residência em Santarém durante as cortes de 1273-4 explica-se bem supondo que «se não levantava da cama» como afirma D. Dinis. Podia transportar-se para ali pelo Tejo, sem que lhe fosse necessário montar a cavalo».
A isto, no ambito da vida científica que hoje corre chama-se, quando se escreve um artigo científico, "discussão dos resultados". Ou seja: Herculano era de facto pioneiro na Europa enquanto cientista da investigaçaõ histórica.
Fig.11 - Pintado a óleo por João Leite (recriado pelo entretenimento do escrevidor) - a partir de imagem a sépia.
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Mas, além de historiador Herculano notabiliza-se em variadíssimos campos da sua actividade, ao longo da sua vida. Será interessante depreender, ou, se possível entender, qual a ideologia que lhe sustentou a reflexão e pela qual fez de sua vida uma oferenda a seu País.
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Cândido Beirante publicou em 1977 uma interessantíssima obra a que deu o título de "A Ideologia de Herculano". Peço-lhe ajuda respigando-lhe o que ali refere sobre a liberdade e a igualdade enquanto pilares da ideologia de Herculano.
Leiamo-lo: «Alexandre Herculano é um dos maiores expoentes do nosso Liberalismo. Este movimento que o séc. XIX iria consagrar é oriundo de Inglaterra como doutrina filosofico-política e foi introduzido no Continente graças à acção de alguns pensadores franceses do séc. XVIII, como por exemplo, Montesquieu e Voltaire. Os princípios do Liberalismo podem resumir-se na bela trilogia:«Liberdade -Igualdade - Fraternidade» que a revolução de 1789 tomou por sua divisa. Em nome desta bandeira ideológica se fizeram no século passado todas a revoluções libertárias desde a Europa à América Latina (entre nós tiveram lugar em 1820 e 1832-34) destes três princípios, a liberdade e a igualdade eram comummente aceites pelos revolucionários, mas a fraternidade, essa dificilmente sobreviveu, após as depurações e as guerras que ensaguentaram a Europa depois de 89».
Fig.12: recriação de fotografia de Herculano, de que não encontrei referência ao autor nem à data. Assim passei um sábado chuvoso em que não me apeteceu fazer mais nada.
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Um pouco mais adiante Beirante continua «Herculano viveu de acordo com o que pensava e sentia e, por isso, foi toda a vida o cavaleiro andante da liberdade, a dama que escolheu e pela qual lutou durante meio século, com as armas e com a pena, desde a vésperas do exílio até à morte». E conta de seguida «Numa carta a Oliveira Martins dá-nos conta da sua "fé e energia" ao abraçar a causa da liberdade: "sofrer resignado o desterro, as tempestades, a fome, os vermes, a nudez, os suplícios, a morte pela liberdade, direito eterno, fonte de todos os direitos, condição impreterível do homem que é homem". Este texto define Herculano o S. Paulo da Liberdade.». Deixem-me agora meter, atrevidamente, uma colherada que pode parecer presunção, mas que é movida por muita sinceridade. Tive o privilégio de ler a Constituição que rege a Suécia quando por mão de amigo visitei as instalações do parlamento daquele país. O artigo 1º da Constituição Sueca diz o seguinte: «Todo o Sueco, quando nasce, é Livre». O demais desta Constituição, não longa, são sempre corolários desta ideia central e cristalizam depois os meios e modos de garantir a igualdade e a solidariedade entre todos os cidadãos do País. É minha convicção de quer no antigamente, quer no agoramente se tem tido sempre a arte e o engenho de com luvinha de veludo se esconder o que realmente representam as sociedades escandinavas, como foram e estão tricotadas. Se Herculano e quem com ele pensou a Liberdade no seu tempo, tivessem definitivamente vencido, seríamos hoje um país muito semelhante na sua organização social ao que ocorre nos países escandinávos. Digo cá com os meus botões: O homem estava de facto muito bem orientado e muitíssimo, mas muitíssimo avançado em relação ao seu tempo.
Voltando a Cândido Beirante, citemos: «Quanto à igualdade, Herculano fazia muitas restrições, admitindo apenas a igualdade civil: "a igualdade civil não é só possível, é necessária. Deriva do direito natural que cada um tem de desenvolver a sua actividade até onde não impede a desenvolução da actividade alheia». E aqui me permito voltar a meter uma nova colherada. O conhecimento científico do homem ao longo destes 2 séculos vem de facto, sistematicamente encontrando factos, elementos e argumentos para podermos considerar cada Pessoa uma originalidade irrepetível. No relativo a cada um de nós, nunca houve ninguém, nem nunca mais voltará a haver alguém, igual a cada um de nós. Meditando o pensamento de Herculano, julgo entender que é esta a posição em que se coloca para iluminar a ideia de que em liberdade, a igualdade é também o respeito infinito pelas diferenças entre cada um.

Fig.13: Herculano pintado por Columbano.Trata-se de detalhe de pintura mural na hoje Assembleia da República. Para se poderem topar mais detalhes e, até tonalidades de cor dei "uma rápida demão" a esta reprodução que encontrei não lembro onde.
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Com esta ideologia Herculano foi deputado, pelo círculo do Porto. Ali defendeu e propôs grandes modificações para a estrutura social do país entre mais a da descentralização administrativa a do sistema educativo com grande ênfase na educação para as classes laboriosas, pugnando pelo conceito de que só pela educação se conseguirá o conjunto de condições para o progresso e para o desenvolvimento da civilização, preocupadíssimo com a ideia de se vir a transformar o homem numa máquina. Beirante e Custódio recolhem do Diário do Governo nº79 de 2 de Abril de 1838 e da Panorama, II, nº 75 de 1838, informação sobre estas intervenções de Herculano enquanto deputado (7). Mais defendeu reformas económicas demonstrando as vantagens da criação de caixas económicas e, até, de um banco cooperativo agrícola. Da obra citada (7) de Beirante e de Custódio recolho esta preciosa intervenção de Herculano deputado: «O cultivador português envergonha-se de tomar dinheiro a juros, entende que há o que quer que seja menos regular nesse acto tão inocente como legítimo. Prefere tudo à publicidade do que ele chama a sua miséria, e o que às vezes o é. Não raro, o usurario explora este sentimento de orgulho, por ventura nobre na sua origem. Custa menos ao agricultor pedir àquele a quem já pediu uma vez, e que não assolha o facto, porque o defeito da usúra não é ser vanglorioso. O usurário contenta-se com reter em servidão perpétua o cultivador que uma vez lhe caiu nas mãos». Fez intervenções com contribuições e proposta para uma reforma agrária, com respeito por direitos individuais, como também fez a defesa da propriedade familiar e cooperativa. Toda a sua vida parlamentar é um como que um "abstract" de toda a sua riquíssima vivência de cidadania espelhada nos escritos de toda a sua vida.
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Guilherme de Oliveira Martins ao terminar o seu ensaio Alexandre Herculano: Mestre -cidadão explicita: «acreditou na descentralização, no governo do país pelo país, na força dos concelho (hoje chamamos-lhe municípios) e na ideia de que o «país da realidade» deveria prevalecer sobre o «país nominal» inventado nas secretarias»(19). .
A propósito desta ideia luz - a da descentralização inteligente - não resisto a transcrever 2 parágrafos de carta aos eleitores do círculo eleitoral de Sintra, em consequência de, só a posteriore ter tido conhecimento de que o seu nome tinha sido, sem consulta prévia à sua pessoa e, por isso, abusivamente, introduzido como cabeça de lista para as eleições de deputados pelo círculo 26, o de Sintra, por pioneiras manipulações, à semelhança do que hoje é pratica corrente, de cliquínhas donistas de partidos marionete, nas mãos finas e alvamente enluvadas, de lobies com interesses bem definidos. Muito educada, polida e elegantemente, mas firmemente desagradado, com o abuso de confiança de que só toma conhecimento pelos jornais quando já havia sido eleito, faz publicar no Jornal do Commércio, Indústria e Agricultura, 5º ano, nº 1. pag. 399, Lisboa, 23 de Maio de 1958, "carta aberta" que dirige aos eleitores do círculo eleitoral de Sintra.
Escreve Herculano: « Na verdade, a doutrina de que o excesso de acção administrativa, hoje acumulada deve derivar em grande parte do centro para a circunferência repugna aos partidos, e irrita-os. Sei isso, e sei porquê, os partidos, sejam qais forem as suas opiniões ou os seus interesses, ganham sempre com a centralização. Se não lhes dá maior número de probabilidades de vencimento nas lutas do poder, concentra-as num ponto, simplifica-as e obtido o poder, a centralização é o grande meio de o conservarem. Nunca esperem dos partidos essas tendências. Seria o suicídio. Daí vem a sua incompetência, e nenhuma autoridade do seu voto nesta matéria. É preciso que o país da realidade, o país dos casais, das aldeias, das vilas, das cidades, das províncias acabe com o país nominal, inventado nas secretarias, nos quarteis, nos clubes, nos jornais, e constituido pelas diversas camadas do funcionalismo que é e do funcionalismo que quer e que há-de ser»(...).
(...) « A centralização, na cópia portuguesa, como hoje existe e como a sofremos é o fideicomisso legado pelo absolutismo aos governos representativos, mas enriquecido, exagerado; é desculpai-me a frase, o absolutismo liberal. A diferença está nisto: dantes os frutos que dá o predomínio da centralização supunha-se colhê-los um homem chamado rei hoje colhem-nos 6 ou 7 homens a que chamanos ministros. Dantes os cortesãos repartiam entre si esses frutos e diziam ao rei que tudo era dele e para ele: hoje os ministros reservam-nos para si ou distribuem-nos pelos que lhes servem de voz, de braços, de mãos; pelo partido que os defende, e dizem depois que tudo é do país, pelo país, e para o país. E não mentem. O país de que falam é o seu país nominal; é a sua clientela, o seu funcionalismo; é o próprio governo; é a tradução moderna da frase de Luís XIV -"l' état c'est moi" menos a sinceridade»(...).
( ...)«depois, quando alguém, que acidentalmente se ache no meio de vós, sem casa, sem bens, sem família, sem indústria destinada a aumentar com vantagem própria a riqueza comun, e só porque o seu talher na mesa do tributo ficou posto para esse lado, se mostrar demasiado solícito em nobilitar o vosso voto pela escolha de algum célebre estadista, em que talvéz nunca ouvistes falar, ou em livrar-vos de eleger-lhes algum mau cidadão, cujas malfeitorias escutais da sua boca pela primeira vez, voltai-lhe as costas. Padre, militar, magistrado, funcionário civil, seja quem for, esse homem que tanto se agita, aflito pela vossa honra eleitoral, pelos vossos acertos ou desacertos políticos, pode ser um partidário ardente e desinteressado; mas é mais provável que seja um hipócrita, um miserável que já tenha na algibeira o preço do vosso ludríbrio, ou que por serviços abjectos, espere obter, ou dos que são governo, ou dos que querem fazer o imenso sacrifício de o serem, a realização de ambições que a consciência lhe não legitima, e acerca das quais só podeis saber uma coisa: é que as haveis de pagar»(20).
Noutro passo do ensaio que acima estavamos a analisar escreve Guilherme d`Oliveira Martins: «desenvolveu a ideia de uma legitimidade histórica, para encontrar soluções eficazes compatíveis com o legado da tradição, concebendo a Regeneração como um regime de alternância e como alternativa à guerra civil. Foi um liberal crente na autonomia individual e no fim do despotismo, dos privilégios e de todos os fanatismo - capaz de compreender, discordando, o entusiasmo dos jovens de 1870. Anticlerical e crítico severo do ultramontanismo, foi um sincero cultor de uma religiosidade cristã laica que coerentemente nunca abandonou. O Herculano que nos é dado a ler é o cidadão, o historiador, o patriota, o poeta e o romancista - numa palavra, o português».
Fig.14: No seu gabinete de trabalho na Biblioteca Real do Palácio da Ajuda. Fotografia a preto e branco com 16/12cm colada em cartão 22/17cm -Reprodução de gravura.- Legado de Teresa de Figueiredo à Biblioteca Pública Municipal do Porto. Julgo que foi pela primeira vez publicada na revista Ocidente (não encontrei a referência). (limitei-me a tirar-lhe um bocado o pó e a fazer acentuar os tons mais escuros e, em contraste, os tons mais próximos do branco, no intuito de a tornar mais legível).
Voltando à intervenção de Herculano no parlamento vem a propósito referir um detalhe da sua personalidade. Era um tímido. Cruz Malpique na sua obra "Arte de Escrever" diz-nos: « ... o nosso Herculano, que possuía fácil pena, era, como orador o mais bisonho dos homens». E prosegue Malpique: «Tendo de falar na Câmara dos Deputados, e não confiando nos seus dotes de palavra, puxou de uns apontamentos que começou a ler. Foi então que José Estêvão, adversário político do grande historiador, lhe disparou a frase cérebre:-"Largue a sebenta!" .Herculano, ainda, apesar de tudo, teve forças para concluir. Ao sair da Câmara, matutando no vexame, ia dizendo: " E eu que lhe podia ter atirado com o tinteiro à cara !"(22).
. Fig.15 - Retrato fotográfico de Alexandre Herculano que julgo corresponder a um arranjo de estúdio de uma das fotografias que constitui um conjunto realizado, aparentemente na mesma ocasião, no seu gabinete na Biblioteca Real da Ajuda. Eu próprio a reinterpretei, e é esta reinterpretação que aqui mostro . Curiosamente trata-se do que eu julgo ser o rosto real de Herculano enquanto realmente reproduzido fotograficamente, ou seja, mostrando à sua direita muito marcada a região malar e 3 tumefacções rodeando a comissura labial direita. É assim que, aparece por exemplo no sítio http://www.arqnet.pt/dicionário/herculanoalex.html. Porém nesta mesma fotografia, quando rodada 180 gaus sobre o eixo mediano, vertical, o rosto aparece com as região malar e as bosseladuras em redor da comissura labial, do lado esquerdo. Igual comportamento apresenta pequeno prolongamento do seu laço para cima da camisa branca que ora está encostado "à lapela direita ora à lapela esquerda". A representação que se mostra suponho ser a verdadeira. As imagens com situs inversus aparecem publicadas, por exemplo, nos sítios http://lagash.blogs.sapo.pt/115539.html e http://wwwensaystas.org/filosofos/portugal/herculano
Guilherme de Oliveira Martins integra no tríptico editado pela Casa da Moeda - Imprensa Nacional, em celebração dos 200 anos do nascimento de Alexandre Herculano, Mestre-Cidadão, um belo ensaio sobre tal mestria, tal cidadania, tal «fundador da moderna historiografia portuguesa» e tal «criador do novo imaginário do Portugal moderno em nome do "espírito do povo" que as Lendas e Narrativas procuram encarnar e desenvolver»(19). Na sua página 15 Guilherme de Oliveira Martins acentua: «ao pensar em Portugal, valorizou essencialmente a vontade como se dissesse "somos porque queremos". ...... e prossegue .... « o que estava em causa para Herculano, era a afirmação de uma autonomia cívica e política baseada no crer e na organização dos povos.» E diz mais «acreditou na descentralização, no governo do país pelo país, na força dos concelhos e na ideia de que o "país da realidade" deveria prevalecer sobre o "país nominal" inventado nas secretarias». E acrescenta "foi um liberal crente na autonomia individual e no fim do despotismo, dos privilégios e de todos os fanatismos -capaz de compreender, discordando, o entusiasmo dos jovens de 1870». E continua o Prof. Guilherme : «Romântico, cultor dos motivos românticos, foi um autor clássico no estilo e na escrita, mas não nos temas e no arrebatamento». E termina Guilherme de Oliveira Martins este seu ensaio definindo o perfil de personalidade, a estrutura intelectual, os rigores de consciência por que regia o seu comportamento de cidadania: «Anticlerical e crítico severo do ultramontanismo, foi um sincero cultor de uma religiosidade cristã laica que coerentemente nunca abandonou. o Herculano que nos é dado a ler é o cidadão, o historiador, o patriota, o poeta e o romancista - numa palavra, o Português» (a maiúscula do P é nossa).
Fig.16 - Retrato de Alexandre Heculano pelo pintor romântico José Rodrigues de Carvalho (1828/1887). Data desconhecida. Colecção da Sociedade Martins Sarmento (24). Representação fotográfica em tom sépia.
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Jacinto Baptista na sua obra Alexandre Herculano Jornalista (23) cita Antero de Quental, logo no frontespício desta sua obra: « Alexandre Herculano era mais do que um grande escritor, era, em toda a força dos termos, um grande homem, uma dessas raras individualidades em quem se refecte como num espelho, o carácter de uma raça, em que o povo reconhece, por uma íntima afinidade, a expressão genuína do seu temperamento intelectual e moral, nas ideias e nos sentimentos, nas qualidades culminantes e até nos defeitos característicos». Neste frontespício, Jacinto Baptista cita em seguida, o testemunho de António Sérgio sobre Herculano: « ... aquela personagem entre todas nobre que dando-lhe (a uma sociedade) o modelo das suas virtudes, o seu emblema do Carácter, a sua inspiração de ressurgimento, comparte com Camões o privilégio máximo de ser um representante na Nacionalidade».
Jacinto Baptista abre este seu trabalho apresentando um «Homem de Imprensa» sobre quem respiga logo, do próprio, em carta de Vale de Lobos, não datada e dirigida a José Cândido dos Santos, a seguinte afirmação: «estou condenado a trabalhar até ao último dia da vida» (23)
Debrucemo-nos sobre mais um traço de personalidade de Herculano. Por ele facilmente se compreende porquê foi magnetizado pelo romantismo. Entre mais é vida interior do próprio romantismo a prescrutação e o deslumbramento face às maravilhas da natureza. Este modo de estar -o romantismo- põe o Homem e Deus frente a frente e exalta a liberdade. Colho esta síntese tão simples e tão iluminadora de JRR (não nos diz de si, no seu blogue, mais do que estas 3 letras) http://nestahora.bloguespot.com/2010/03/alexandre-herculano. Nele JRR reproduz poema da Harpa do Crente de que, para demonstração do cariz de personalidade de Herculano, e do seu ajustamento ao romantismo, respigo apenas os versos que se seguem «Oh, que viesse o que não crê, comigo, à vicejante Arrábida, de noite, ....... adorando o Senhor, detestaria, de uma ciência vã seu vão orgulho.». Noutro texto, cuja referência não consigo lembrar neste momento, Herculano di-lo secamente: «creio que Deus é Deus e os Homens livres». JRR aborda neste "correio electrónico" a passagem por e a vivência de Sesimbra realizadas por Herculano. Socorre-se do livro de José Paulo Vaz "Herculano em Sesimbra - subsídios para uma bibliografia de Alexandre Herculano", para fazer notar que Alexandre Herculano conhecia bem a região (de Sesimbra) e foi arrendatário da Quinta de Calhariz durante o período de 1854 a 1863. A propósito, mais refere ter Bolhão Pato registado na obra "A Casa da Ajuda de 1847 a 1851-Memórias - I" uma ida ao Calhariz em 1856 onde deu testemunho sobre o sentido prático e de humor do amigo.
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Julgo que se encaixa muito bem o que acaba de se contar (através das ajudas de JRR, de José Paulo Vaz e de Bolhão Pato), com a decisão final, tomada, nomeadamente em consequência da parvalheira profissional -onde é que eu já vi isto?- dos parlamentares junto de quem Herculano se sentia mal e não colaborante, de se retirar para Vale de Lobos, voltando ao deslumbramento ante a natureza, ao confronto do Homem com Deus, enfim à Liberdade de pensar, sentir e agir. Já trazia experiência e conhecimento adquiridos nos quase 10 anos de arrendatário da Quinta do Calhariz. A propriedade de Vale de Lobos, junto a Azóia de Baixo, nas imediações de Santarém foi por ele comprada com as economias que foi juntando provenientes das publicações consequentes ao seu trabalho intelectual e, também, no que poupava enquanto investigador de história, na sua qualidade de director da Biblioteca Real com, como já dissemos, tensa pessoal de D. Fernando pai do Rei D. Pedro V de quem, quando este era miúdo, foi perceptor, como também já acima noticiamos.

Contudo, pensando com a calma que o caracol segrega quando desliza sobre a baba que produz, "será que " só por tais razões - a do romantismo e a do nojo pela hipocrisia ... - "será que" só por isso se retirou para Vale de Lobos ? (... depois falamos...).

Fig.17: Em Vale de Lobos. Fotografado por Dulac, notável fotógrafo francês da época, e seu grande amigo. Voltarei, se poder, ao rosto que aqui Dulac deixou para a posteridade. Impressiona-me muito o cansado abandono com que Herculano aproveita um pequenino tempo de descanso. Mas o olhar é vivo e determinado.
"Fez" Vale de Lobos com o Génio que nele habitava, a Paixão que dentro dele vivia e o Amor de quem sabe unificar-se com a Natureza. De resto, é uma das riscas específicas do Romantismo esta ligação e unificação com a Natureza. Em Vale de Lobos além da paz, do silêncio, da ternura do ambiente e do bem estar que lhe proporcionavam os que com ele ali diariamente conviviam, recebia também as mais diversas figuras da intelectualidade com quem à época se identificava. Tinha a sua pequena biblioteca e tinha "os vagares" de que falava Eça, para passar ao papel o fruto das suas reflexões. Dali continuou a colaborar com publicações várias. Ali escreveu o texto de proposta a discutir pelo Parlamento para a elaboração de uma nova Constituição. Dali se correspondia com os intelectuais por quem tinha apreço enquanto sócio da Academia Real das Ciências de Turim, da Real Academia de História de Madrid, da Real Academia de Ciências da Baviera, do Instituto Histórico de França de que era membro e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio de Janeiro, entre mais e entre muitos - de certeza que dali não saiu nada que se destinasse aos "gravatinhas de seda côr de rosa que apareciam nos canais da televisão da época". Também ali jamais foram chamados os Caras as Carinhas e os Caretas dascarasedasluxes e do tuti quanti da época. Ali foi tricotando a sua obra, e última, Portugaliae Monumenta Historica, infelizmente inacabada. Ali, duas ou três semanas antes de falecer, foi visitado pelo Imperador do Brasil D. Pedro I, a quando da sua digressão diplomática a Portugal (e durante a qual, ao passar pelo Porto, deixou, por gratidão a esta cidade, em testamento, que então públicamente assinou, nada mais que seu próprio coração. Ficou dele fiel depositária a Ordem da Lapa).
Com a sua capacidade de paixão ali plantou e cultivou um olival de que com as azeitonas que dele conseguiu tirar e a exímia perfeição com que as transformava em azeite veio a ganhar o primeiro prémio do melhor azeite da Europa, quando participou na Feira Internacinal da Agricultura, em Berlim.
Não podemos resistir à tentação de pelo menos vos mostrar fotografia do seu tinteiro que pela análise que fiz à documentação fotográfica e aos quadros a óleo, julgo ser tinteiro que lhe foi oferecido enquanto Director da Biblioteca Real da Ajuda. Digo isto porque ele aparece na secretária do seu gabinete naquela biblioteca e, admito, o tenha levado consigo quando se retirou para Vale de Lobos. Tinha o direito de o fazer porque se tratava de peça pessoal com dedicatória inscrita entre os dois tinteiros sobre a placa central, como pode ser entrevisto nas letra gravadas na placa (fig. 18).
Deste tinteiro, com uma pena de pato apropriadamente afiada na ponta, sairam milhares e milhares de palavras para cristalizar com a profunda iluminação da clareza o pensamento que permanentemente fluia e de si se derramava.
Infelizmente não vos posso dar aqui, a provar, uma colherada de azeite da sua produção. Mas não passo sem dizer que o detentor actual da marca «Azeite Herculano» que ele instituiu, é hoje a empresa de produtos alimentares Jerónimo Martins. Que eu saiba esta entidade também não celebrou o 2º centenário do patrono do azeite que vende com abonado lucro, a não ser que seja apenas pela "minha ignorância do macaco" a quem não chegam os sussurros da"petit bouche" de gente fina - que é sempre outra coisa.
Fig.18: O tinteiro de Alexandre Herculano
Pois bem! Herculano está prestes a terminar o seu lúcido passeio pela natureza e pelas naturezas deste mundo.
Tem data de Fevereiro de 1877 a última imagem de Alexandre Herculano (fig. 19), terminada sete meses antes de exalar a sua última e pequeníssima, mínima, expiração.
Fig. 19 - A última imagem de Alexandre Herculano pelo pintor realista João Pedroso -Fevereiro de 1877.
Foi recolhida pelo Pintor João Pedroso. Apresenta-o no cenário de um seu gabinete. O "fade out" dos planos de fundo não deixa identificar qual. Lá está, na mesa, o tinteiro que acima se mostra. Seu corpo, um tantinho cansado, tem 67 anos. Precisa de se apoiar ... colocando, "energicamente", sua mão, que eu digo esquerda, na publicação que pousa sobre a sua mesa de trabalho.
Há um lenço, vermelho, que sai do bolso, para mim, direito, e, com ele, o lenço, e, nele, o bolso, desaparecem os 4º e 5º dedos de sua mão, insisto, direita. Abre as pernas para mais segura gravitação. Está calvo (e não fez quimioterapia) não sei se tem sobrancelhas. Vou ter que verificar com os meus próprios olhos, se tem sobrancelhas, se .... "o meu lado direito" .... é de facto "o seu lado direito", porquê, afasta os pés e porquê,....... sim !..."há muitos porquês"...... para lhes pensar uma resposta .... Porquê ? !!!....
Mais adiante vos vou confiarei a releitura que faço das imagens de Alexandre Herculano, por aí a baixo acabadas de vos mostrar, de roldão. Fá-lo-ei quando, oportunamente, a tudo isto voltar. Se voltar.Gostaria de voltar. Para já nem sequer sei onde pára este quadro por João Pedroso como também algumas das outras fotografias acima exibidas.
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É tempo de terminar. Bem se lembrarão de como falávamos pelos corredores a propósito de situações que nos pareciam desprovidas de lógica ou até de dignidade: " Eles é que sabem , Eles é que lêm nos livros". O País está hoje cada vez mais cheio de «Eles». Ouçamos-lhes as perguntas e registemos-lhes as decisões:
«Então "o gajo" quer o País governado pelo País ?!...»... «Então "o gajo" diz que crê que Deus é Deus e os Homens são livres ?!...»... «Então "o gajo" quer o País reorganizado numa dinâmica lógica de descentralização?!...».... «Então "o gajo" tem a lata de se revoltar, de arriscar o pescoço na forca, de se exilar, e, depois, de desembarcar na praia de Arnosa em Pampelide e vir "práqui" chatear ?!...» ... «Então "o gajo" veio aos tiros, até entrar no Porto, com o risco de ser baleado, só para acabar com os 300 intestinos ambulantes?!...», ... «Então "o gajo" luta nas mais diversas frentes, nos jornais, nos livros, no Parlamento, na Presidência da Câmara Municipal de Belém (mais tarde extinta com a reorganização do território), e na monumentalidade da sua investigação científica da História ?!...», ... «Então "o gajo" espatifa o ultramontanismo de gentinha hipócrita, ignorante, atoucinhada, corrupta, que se faz passar por seguidores de Cristo, para continuar a entesourar previlégios iníquos ?!...» ... «Então "o gajo" defende, cristalinamente, a Liberdade, a Igualdade e, porra! mais sofisficado ainda, a Fraternidade ?!... - porra !!! carago !!! a fraternidade ?!!!... ná ... ná ... !... ná...!.
Todos nós sabemos muito bem, quem é que controla quem, quem é que contola e como, quem é que controla e o quê ... ! .
Proibido avisar a malta ( ao contrário do que recomendava, e bem, o José Afonso). Bico calado. Fechem o Herculano no armário ! DEPRESSA - JÁ!...- CARAGO!!! . Ponham-lhe uma coroa de flores e não se esqueçam de fazer uma festinha cariciosa no lacinho de setim.(Fig.20).
E esta heim ?! ... (9). Atenção ! ... : "no agoramente" ! .
Fig. 20 -O Armário :Tumulo de Alexandre Herculano, na Sala do Capítulo, no Mosteiro dos Jerónimos. Para aqui veio trasladado alguns anos depois de sepultado no cemitétrio de Azoia de Baixo.
By the way: Para ser justo, tenho de confirmar que a Ministra da Cultura veio aqui dar um jeitinho ao laçarote da coroa de flores depositada em frente ao túmulo, aquando da inaguração da exposição aberta no dia do 2º Centenário, para os efeitos e enfeitos a haver por convenientes. Fui saber o preço da coroa: coisa para 60 Euros... bem puxados.
Rui Abrunhosa
Referências

1 - Ilustração Portuguesa.Lisboa,A, 1, nº46 (19.Set.1904). pg.722.

2 - "Esqueceu-se-me" .Perdi-a. Acho que, enguiáticamente, se me deslisou e me caiu por um "buraco do bolso das calças"...Com tanta "Crise" à solta também tenho o direito de ter um buraquito só para mim.Coube-me, em má sorte, o das calças!... Há por aí quem também rasgue o bolso das calças para assim poderem catar melhor, mais discreta e subreptíciamente, os "chatos"que lhes pedem para, também eles, pagarem impostos
3 - Fontes Carlos -http://acultura.no.sapo.pt/index.herculano.html.coisas da cultura
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4 - Nemésio, Vitorino - Obras Completas: vol.XI: a Mocidade de Herculano. Imprensa Nacional - Casa da Moeda. Lisboa 2003.
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5 - http://brancoalmeida.com/sociedade/bicentenario-do-nascimento-de-alexandre-herculano-«o universo numa casca de noz»
6 - Alexandre Herculano 1810/1877 por «Amor da Instrução». Exposição bibliográfica e documental. Biblioteca Pública Municipal do Porto 29 de Março de 2010. Edição pelo Pelouro do Conhecimento e Coesão Social da Câmara Municipal do Porto.
7 - Beirante, Cândido e Custódio, Jorge. Alexandre Herculano. Um Homem e Uma Ideologia na Construção de Portugal - antologia. Organização, prefácio e notas de Cândido Beirante e Jorge Custódio (Docentes da Faculadade de Letras da Universidade de Lisboa). Livraria Bertrand, 1978.
8 - Ribeiro, Ângelo. História de Portugal - coordenação de José Hermano Saraiva. Vol.6. A Monarquia Absolutista: da afirmação do poder às invações francesas. Quid novi - 2004, Matosinhos.
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9 - Pessa.Fernando.- A frase com que terminava as suas lascas de génio nas mais simples,curtas secas e de inenarravel alcance social, notículas noticiosas para o Telejornal da RTP-1
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10 - Herculano Alexandre - Auto Biografia. Jornal "A Nação" de 22 de Setembro de 1877. Herculano fez do 2º Conde de Jurumenha fiel depositário do texto para publicação apenas após a sua morte. Vale a pena lê-lo. A sua verticalidade está lá toda. In: Beirante e Custódio. Op.cit.(7)-pag. 25.
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11 - Herculano Alexandre: Op.cit.(10).
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12 - Herculano Alexandre: Carta ao Jornal do Comércio de 7 de Dezembro de 1862. In: Op.cit.(7)-pag. 26.
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13 - Herculano, Alexandre - Auto Biografia. A Nação, 22 de Setembro de 1877. Cit in 7 pag. 25.
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14 - Seabra, José Augusto - Alexandre Herculano, ou a Cicatriz do Exílo: in Poligrafias Poéticas. Colecção"O M0ch0 de Papel". Lello e Irmãos"1994 -págs.150-171.
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15 - Herculano Alexandre - In: Obras Completas- Cenas de Um Ano da Minha Vida, Apontamentos de Viagem, Lisboa 1973, pp 185/186 e 192. Cit in 7 pag. 38.
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16 - Herculano Alexandre - Obras Escolhidas, vol. 4, pag. 641. RBA-Coleccionables SA e Círculo de Leitores, para esta edição - 2006 Espanha, cidade não mencionada.
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17 -Beirante Cândido - A Ideologia de Herculano. A Gráfica de Tomar 1977.
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18 -Herculano Alexandre - In Projecto de Caixa de Socorros Agrícolas (enviado pela Câmara Municipal de Belém para aprovação pelo Governo). Opúsculos, vol. 7, Lisboa, 6ª edição, sem data, pag. 252-256). Cit in Beirante e Custódio (7), pag. 367.
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19 - Oliveira-Martins, Guilherme d' - 200 anos do nascimento de Alexandre Herculano Mestre-Cidadão. Empresa Nacional Casa da Moeda, 1ª ed., Novembro 2010, pag. 16.
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20 - Herculano Alexandre - Carta aos Eleitores de Sintra. Jornal do Comércio, Indústria e Agricultura, 5º ano, nº 1, 1.299, Lisboa, 23 de Maio de 1858. Cit. in: http://www.arqnet.pt/portal/portugal/documentos/ah_carta 1858.html.
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21 - Cit. in: 19.
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22 - Malpique, Manuel da Cruz - Arte de Escrever (um pouco da sua filosofia), Editora Educação Nacional, Rua do Almada 125, Porto, 1949, pag.55.

23 - Baptista, Jacinto - Alexandre Herculano Jornalista. Livraria Bertrand S.A.R.L.. Amadora. 1977

24 - http://www.csarmento.uminho.pt/.

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P.S: Iniciei a elaboração desta mensagem ainda em 2010, em consequência de factos que já acima relatei. Aspirei ao legítimo prazer de a fazer publicar no último dia de 2010. Infelizmente o meu padrão de vida não só me não permitiu conclui-la a tempo como, pior ainda, me obrigou a fazê-la fluir agora e logo ao longo de todos estes meses de 2011. Estive a reflectir sobre se deveria entrar com data de 2010 (a que corresponde à marcação automática pelo softwear do blogger no dia e hora em que se inicia o teclar) ou dar-lhe a data de publicação. Pareceu-me entre vantagens e inconveniências que seria mais apropriado curvar-me, com uma pontinha de humildade, pedir desculpas para as minhas insuficiências e empurrar "o posting" para hoje. Assim decidi. Se calhar, qualquer dia ponho-a outra vez lá para trás, na bicha, no lugar, que lhe pertence, o do 31 de Dezembro de 2010.
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