LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

José Augusto Seabra




ORIGINALÍSSIMA CRIAÇÃO   DE 

ORIGINALÍSSIMA CRIATURA



Fig. - 1
"Eu sou do tamanho do que vejo e não do tamanho da minha altura" escreveu Fernando Pessoa, bem muitos anos antes de, há 64 anos, se ter sentado a meu lado, em 6 de Outubro de 1948 - eu era o 16, ele era o 17 - um menino (Fig.1) (1) um tantinho mais "curto" do que eu, de voz macia e tímida,com uma poupinha marginada de risca que separava cabelo liso wisky  numa franca maioria de esquerda e, um bocadito, sem expressão, à direita.
Vivíamos ambos e os demais, de um pequeno enxame de "canalha escolarmente labutosa", a decâmetros da Praça das Flores, onde terminava a Rua do Bonfim ,começada no Campo 24 de Agosto. Ele - Seabra - na Rua das Antas, em casa de seus Tios - que sempre lhe foram seus Anjos de Guarda. (Fig.2).
Fig. 2: Rua das Antas. Observa-se-lhe o aspecto em rampa, rectilínea, até se perder (hoje) entre mostrengoides de cimento. Se bem lembro o José Augusto morava, mais ou menos, a meio, do lado direito. Em primeiro plano pequeno naco "modernaço" da  "Praça das Flores, hoje sem flores, completamente descaracterizada e a cheirar a gazoil que tresanda...

A Rua das Antas subia da Praça das Flores até à Praça Velasquez. Ao tempo, nela -  a praça -  e nos arruamentos circunvizinhos, estavam apenas delineados pelas guias, em granito, os "passeios a haver". Por ali, a malta, aos fins de semana e nas férias, divertia-se a andar de bicicleta - horas a fio - com toda a segurança, porque não havia carros nem sinais de um dia vir a haver.
O Belmiro Guimarães vivia em moradia da Praça das Flores. "O Martins - le boulanger" - na esquina da Praça das Flores com a Rua de S. Roque da Lameira. Eu meu irmão Luís e o  Gaioso na Rua D. Lopo de Almeida   (Fig. 3), ele na segunda casa amarela, á direita, e nós na seguinte, a mais alta e cor de rosa. O Carlos Brito e o Barros, viviam lá ao fundo, já na rua de Justino Teixeira, à esquerda, a qual, junto  deles ali acabava, em fundo de saco. Este "fundo de saco" foi recentemente descosido e a rua de Justino Teixeira abre agora,directamente, na alameda que termina numa ponte dependurada por cordas, qual marioneta, mexida por não sei quem, para a fazer  passar sobre a Via de Cintura Interna, e, de modo rasgado, chegar a Gondoma,r num ápice. Atenção: a esquina da Rua do Bonfim com D. Lopo de Almeida é feita pela moradia de azulejos verde garrafa e a que "malta" chamava "a Casa do Batateiro".
Ou seja, para qualquer de nós, as nossas tocas de residir, eram, coisa a pé e sem demoras, para 10 ou 15 minutos em passeata de e para o Liceu Alexandre Herculano.
Porém, a viagem era feita em bando, com muitos prolegómenos, na esquina do Pirata, muitíssimos considerandos, ao longo da Rua do Bonfim e intermináveis finalmentes, junto à "Casa do Batateiro".
A propósito se relembre que D. Lopo de Almeida tem "retratão a óleo" no átrio de acesso ao Salão Nobre

Fig 3. : Esquina da Rua do Bonfim com a Rua D. Lopo de Almeida, conformada pela "Casa do Batateiro".

 do Hospital de Santo António, no Porto, de que foi agigantado benemérito, algures por finais do século XVIII ou princípios do século XIX  - a malta chamava-lhe, por isso, o D. Lorpa de Almeida.
Tudo isto para historiar que, "numa de liceu-casa, tudo somado, nunca menos de 1 hora de intensa actividade "cultural".
O grupo, o bando, era rico de personalidades diferentes: o Gaioso que terminou coronel e pediu "péssanga" para não passar às inconveniências dos generalatos, o Martins - le Boulanger - porque o Senhor seu Pai padejava à esquina da Praça das Flores com a Rua de São Roque da Lameira. Já engenheiro, fixou-se  em França, onde constituiu família, o Carlos Brito, engenheiro, que, entre mais, foi ministro da defesa na década de 80, o Luís Abrunhosa, economista, com o fíníssimo humor e a piada repentista da "Escola" do Orfeão Universitário do Porto" o qual, ( Luís...), depois de lhe fanarem um pulmão, terminou administrador no Grupo Unicer, o Belmiro Baptista Guimarães de quem perdi o rasto, o Baía, ( morava um tantinho antes da Casa do Batateiro), engenheiro, e que salvou o Parque Florestal de Caminha de ser esquartejado em lotes para dinheiros fáceis de patos bravos, o Mota Cardoso que ingressou na Escola do Exército,  o seu "irmãozito" entretanto caloiro e hoje Professor Catedrático Jubilado,de Psiquiatria,  da Faculdade de Medicina do Porto e, last but the least, o "Xiabrinha", pequenitates, de "hábito externo", mas já então com superiores capacidades intelectuais,  invulgares riquezas culturais, pertinácias de aço, Era velocista - ganhava sempre as  corridas dos 100 metros. Não despiciendo o seu desempenho no futebol, a extremo esquerdo. Muito mais tarde apareceu no estrelato nacional do futebol um jogador que me fazia lembrar sempre o Seabra, quando o via jogar: O Hernâni, do F.C.Porto. Porém, o Seabra não deitava, como o Hernâni, a língua de fora, entalando-a entre lábios, meia recurvada para um dos lados, quando, em alta velocidade - aos 14 anos de idade - centrava a bola a partir da linha lateral. Numa adolescência, afinal, já a preparar-se para todas as medalhas de ouro que ganhou sempre, nas Maratonas da Vida, incansavelmente corridas, com os Olhos sempre pregados nas metas que, numa busca incessante, foi cada vez com mais nitidez, definindo, na vida, para a vida, ao longo da vida, durante uma Vida. Deixem o Gedeão descrever por ele, Seabra, esses Olhos:
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«Os meus olhos são uns olhos e é com esses olhos uns, que vejo no mundo escolhos, onde outros não vêm escolhos nenhuns».
Ao longo do percurso "o bando", que se movia rapidamente pelas «9 menos um quarto» e era lesto na ida e no regresso para almoço, pousava e repousava aqui e ali, preguiçadamente, pela tardinha, quando, acabadas as aulas, regressava a casa. Muita coisa acontecia nestas 4 viagens diárias: pela manhãzinha, para as aulas das 9, depois, ao meio dia e cinco, para ir almoçar a casa, antes das 2, para regressar às aulas da tarde, e, ou, pelas 4, ou pelas 5, conforme o horário semanal, para ir lanchar a casa e fazer depois "os deveres" (os "estapores" dos deveres!...). 4 viagens de ... intensa vida cultural, ...anos a fio ... "I mean"... numa descoberta permanente das coisas lindas e feias da vida e da Vida. O "bom povo português" não sabe, mas o Carlos Brito foi o inventor do Totobola, não exactamente como a Misericórdia de Lisboa (so called) lho imitou mais tarde, mas um pouco á moda do que o "Expresso", depois, lho "plagiou", para ser nele, no Expresso, praticado  por pessoas que ninguém, no país real,  conhece  (só eles, lá no Expresso e mais uns gajos porreiros que comem numa coisa que não sei o que é e se escreve "gambrinos" (?)). No nosso jogo de prognósticos não havia dinheiro, havia sim a aprendizagem do prazer de prever, de ganhar, ou, na outra vertente,  o adquirir da capacidade de aceitar, com humildade, a "nabice" de perder e ir caindo na classificação geral que todas as semanas o "Caaar losbrito" ia actualisando.Numa das coisas que o LAH nos educou foi no saber ganhar e no saber perder, salvo se ante a vilânia e a iniquidade e, então, sofrer para ganhar de qualquer modo e nunca se dar por perdedor (e o que não é o José Augusto Seabra senão cristalino exemplo disso mesmo...).
Era 5º ano, por Fevereiro/Março. Entre 3 de nós, os do bando, o José Augusto Seabra, o Belmiro Guimarães e eu próprio vai germinando a ideia - quiçá, melhor dito, o desejo - de fazermos um jornal (aos 15 anos). A coisa, ao longo das idas e vindas foi frequentemente ventilada nas suas múltiplas vertentes. Cheguei durante um fim de semana a fazer uma "maquete". Na tarde da sequente  2ª feira,  parados no  passeio, rente ao casario que ainda hoje lá se mostra, exactamente na mesma e é o que se ilustra com a Fig.4, pouso a "pasta" no chão (pousar a pasta no chão era sempre convite à reflexão ou à discussão alargada de profundas matérias).

Fig. 4 : Trecho da Rua do Bonfim, onde, de pastas pousadas no passeio, em frente ao edifício côr de rosa, se discutiu a maquete de "jornal a haver".

Dela puxo a maquete do jornal, com a natural ansiedade de quem aguarda as reacções. Mostro-a ao pequeno "cluster" de cabecinhas pensadoras - entre mais a de José Augusto Seabra ... O "gajo" atirou-se ao ar !!! ... cortês e contidamente... mas atirou-se mesmo, ao ar!!!...Que não era nada daquilo o que se estava e se tinha vindo a pensar ! ... "comi e calei". Concordei. Tão em silêncio quanto pude conter-me, num sempre frutuoso treino da humildade. Entretanto, várias semanas mais tarde , numa manhã, à entrada da aula das 9, também  recebi da mão do Zé Miguel Leal da Silva, que vivia em Vila Nova de Gaia na Rua Álvares Cabral, junto ao edifício da Câmara Municipal, na "Casa das Heras" tão belamente cantada em versos que fez pelos seus 15 anos de idade, recebi dizia, uma apressada e fugidía folha de papel costaneira com  um arremedo de jornal manuscrito. Nem título tinha, ou se tinha, não lembro. Depois da implosão da, para mim, inesquecível maquete, deixou-se tudo para mais tarde. Tarde demais. Aproximavam-se os exames do 5º e "o jornal" foi provisóriamente para a gaveta. Terminado o ano escolar o José Augusto Seabra "foi para letras", ou seja, para o Liceu então chamado de D. Manuel II; o Zé Miguel, o Cunha, o
Fernando Sena Esteves e eu próprio ficamo-nos pelas "ciências", isto é, pelo Liceu Alexandre Herculano.
Já "era 6º ano". O José Augusto, o Belmiro Guimarães e o Victor Alegria (que frequentara uma turma  outra do tal 5º ano) fundaram o "Mensageiro" no D. Manuel II(à época o liceu dos "letreiros" e mais, onde havia muita gente fina, de um só beijo, que é sempre outra coisa, mesmo quando mandam pôr na conta o "pingo" tomado na cafetariaa da esquina) no D. Manuel II, dizia,  hoje retornado ao seu nome de origem, o de Rodrigues de Freitas); nós, o Zé Miguel, o Cunha, o Sena Esteves e eu próprio criamos o "Prelúdio". Do Mensageiro era "Prof. Orientador" (como a lei pedia e designava) o Prof. Óscar Lopes; do "Prelúdio" o Dr. Cruz Malpique. Ah!... detalhe importante: ambos escolhidos pelos Alunos e não o inverso, como "naltritempi", antes, durante, depois e agoramente, em tanto "lado" e em tantas "estruturas" aconteceu acontece e, pelos "déja vue", vai continuar a acontecer...diz-se por aí, à boca pequena, que a democracia que nos inventaram, defecou o  portugalito que temos e que as aludidas fezes, às claras, ou às escuras, são propriedade, detida, com delícia, por 1.300 (mil e trezentos òvistens bem?...) intestinos ambulantes, autoproclamados portugueses. No tempo do absolutista usurpador Miguel, conta Alexandre Herculano, eram 300. Temos progredido comókaraças!...
O tempo foi passando, os dois últimos anos do Liceu foram-se desfiando e, um dia, de surpresa, rebenta a bomba na "petite bouche" dos cafés frequentados pela Academia. Prisões várias. Pela PIDE. Entre mais a do José Augusto Seabra. Tinha 17 anos de idade. Passa mais um tempo e eu, fazendo mais uma vez, a pé, o caminho de cerca de 5 kms da Faculdade de Medicina no Carmo, para minha casa, junto à Praça das Flores, porque não tinha dinheiro para andar de eléctrico, deparo-me na esquina do Cinema Trindade, junto ao grande muro do seu terraço, com o José Augusto Seabra que já não via há anos. Abri-lhe os braços com alegria e calor... mas, provocando-me  grande baque pré esternal, ele correspondeu frio, distante. Ausente. Estendeu-me uma mão inexpressiva, praticamente não olhou para mim. Com os olhos mediu o muro do "Trindade" e, depois, circunvagou, os globos oculares por entre o cenário atrás de mim, portanto à frente dele, a ambiência do outro lado do passeio e, de quando em quando, sem virar a cabeça, como que tentava ver o que se passava atrás dele. Era um Homem, sentia-se, acossado, mostrando a linguagem corporal de uma inenarrável postura defensiva, triste, muito triste, não acreditando em nada nem em ninguém, senão na sua silenciosa determinação de um dia conseguir pôr fim a um Portugal que odiava e contribuir para a construção do Portugal que amava. Tinha passado os insultos e martírios das masmorras da PIDE, à Rua do Heroísmo, e estado preso, meses, não sei bem quantos, no Forte de Peniche, de onde o libertaram no dia anterior ao da noite de consuada do Natal de 1957. Passou meses e meses, preso pelo "infame" delito "de pensar diferente". Havemos de voltar, mais adiante, à infâmia de pensar diferente .
Depois deste fortúito encontro, na esquina da Rua da Trindade, por baixo do terraço do cinema, hoje casa de jogo, se já não fechou, não mais voltei a ver o José Augusto Seabra, salvo, quando, no exercício das suas funções de Ministro da Educação, acabara de presidir a uma qualquer cerimónia no salão nobre da Faculdade de Medicina do Porto e descia, quase a correr, completamente sozinho, as escadas que do 2º piso o trariam à luz da rua. Por quase, diria,  breves, muito breves minutos, tal era a pressa que lhe presenti, cumprimentamo-nos jubilosamente e perguntou-me o quê, naquele momento mais me preocupava. Sorri-me com a surpresa da pergunta e expliquei-lhe que um patarata de um secretário de estado(?), achava ele -
4ºsecretário - que o era, se preparava para nos "roubar" o complexo já por nós edificado e destinado à instalação de um Centro de Educação e Formação Profissional Integradas, em Vila Nova de Gaia onde acolheriamos Cidadãos com desvantgens, em clima de comunidade com outros sem elas.. Com surpresa nos olhos perguntou-me quem era o Ministro da Tutela e informei-o  de que era o Dr. Amândio de Azevedo ... . O supremo colóquio, por que simples, decorreu entre dois patamares da referida escada , ou seja, ao longo de 7 ou 8 degraus. Estendeu-me a mão, com o significado profundo de que não podeia esperar mais, dizendo-me: ainda hoje telefono ao Dr. Amândio. Quinze dias depois eu estava a ser convocado telefonicamente a partir do Secretariado do Ministério do Trabalho para uma reunião, que uma vez terminada nos deu a garantia de que o nosso projecto seria apoiado até à sua finalização como também na sua funcionalização. Lá está, em Gaia, com 30 anos de excelentes serviços prestados aos cidadãos para que foi previsto e a quem foi posto a serviço Perdoe-se-me este parenteses bem revelador da personalidade do José Augusto para voltarmo-nos ao que "ibamonos diciendo". São mais do que "vagamento vagas" as informações que de meses ou anos em meses ou anos a fio, uma vez ou outra, me chegaram diluidíssimas e desfocadíssimas. Por muito tempo julguei-o em Coímbra, e afinal cursava "direito" em Lisboa. Também, sempre que podia, vinha ao Porto, onde tinha um pequeno recanto de refúgio, julgo, na Rua das Fontaínhas. Envolveu-se com a sua inteligência única, porque "superiormente superior" e "originalmente original" na luta no âmbito académico e não só, pela destruição do sistema que corporizava a "dita" "dura" de Oliveira Salazar. Conviveu, por isso, culturalmente, ou, melhor dito, na construção de uma nova cultura portuguesa, com pessoas entretanto reveladas como de inegável grandeza, muitas delas só entradas no dia a dia dos portugueses após a destruição do podre de velho Estado Novo. Entre elas e a título de exemplo relembro apenas os nomes de Óscar Lopes,  dos irmãos Cal Brandão ,um dos quais, o Carlos, escarrado  pelo Ditador para as Matas de Timor onde lutou contra o invasor japonês, D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, escorraçado por Salazar, durante anos, para um exílio só concebível por quem tinha o seu espaço político intra-craneano habitado por fecalomas ..., Jorge de Sena, emigrado para os Estados Unidos, Agostinho Neto e Costa Andrade, poetas angolanos. Este último publicou o seu primeiro livro de poesia, que intitulou "Terra de Acácias Rubras" um nadinha antes de Seabra publicar a sua primeira obra de poesia - "A Vida Toda" - e na qual inseriu um poema dedicado a Costa Andrade. Interessante a amizade, a cumplicidade e até o conluio entre ambos, partilhando o segredo comum e, em comum, as metodologias para lograr o exílio.  Refiro ainda o Dr. Jorge Sampaio, um dos nossos Presidentes da República ,com quem o José Augusto lutou, ombro a ombro, as suas lutas "académicas" dentro (e fora) da Universidade de Lisboa.
Estes anos de dureza diamantina e de inelasticidade do aço de rija têmpera, com a incansabilidade do maratonista feito para correr, se necessário, uma vida inteira, até à luz olímpica do infinito respeito de todos os Homens por todos os Homens, do viver livre por todos os Homens, da solidariedade para com o Homem mais frágil, com tanta mais força solidária quanto maior lhe for a fragilidade, correram no mais absoluto silêncio, no país, do país. Aparentemente José Augusto Seabra parecia não ter sido mais nada do que um "nome anónimo", acéfalo, anódino, adinâmico, de coisa nenhuma, "escrito na água", serena, do pântano dos "donos" de Portugal. E dos Portugueses. Julgaram eles que José Augusto Seabra se tinha finalmente evaporado...desaparecido.
Não , não tinha!.,
Estrategicamente e com a inteligência que o caracterizava abrandou um pouco a sua capacidade interventiva no projecto de destruição da ditadura para que, rapidamente, sem correr riscos de repetidamente ser abocanhado, uma vez mais pelos "Rottweiler" do regime,   pudesse terminar a sua Licenciatura em Direito, comparecendo a todas as provas públicas, ante júris constituidos, sempre, por pelo menos dois professores - a norma era três (a julgar pela minha experiência na Faculdade de Medicina do Porto, onde tive de desembrulhar, em frente desses júris "compositus", 46 "cadeiras" e, por fim, a defesa de uma dissertação de licenciatura, que me levou a fazer 9 meses de trabalho diário, de par com o estágio hospitalar, de igual tempo de duração, sob orientação de professores catedráticos,) comparecendo, dizia, às provas públicas das dezenas de cadeiras que constituiam o respectivo currículo da sua licenciatura em Direito. Há dias, disseram-me, mas eu nem quero acreditar, que hoje bastaria fazer exames de 3 ou 4 disciplinas e juntar-lhes 3 ou 4 " traques", a título de "currículum vitae", quase inaudíveis pelos próprios escribas dos "media" do clube e que, tudo isto, já chegaria para receber o canudo com tampa de prata e umas fitas embrulhadas lá dentro, duma côr qualquer - tanto faz... e, com ele, adquirir muito maior á vontade no seu latejar (de lata) e movimentar político. Se isto é verdade, então percebo: é assim, com "artistaços" destes que esta merda deu no que deu.
Encastelavam-se nuvens de guerra em África. Recusou-a. E decide exilar-se. Tive o privilégio de conhecer, privar, e ser hoje muito amigo de uma das pessoas que lhe preparou caminhos por onde devia saltar, durante a noite, até entrar em Espanha e, rapidamente aparecer em França. (1)
Decisões difíceis - não consigo imaginar tais dificuldades. Dores que saem não sei de onde e são terrivelmente sentidas - imagino - não sei onde. Só para eleitos.Nesses tempos eu tinha vergonha de ser português, hoje mete-me nojo ser português. Todos os dias, neste país, desde há já muito tempo, se ultraja, se escarra sobre a memoria destes gigantes da genuína pureza de intenções que ofereceram, quase Crísticamente, suas vias e vidas dolorosas, sem terceiras nem quintas intenções, apenas para que a infinita dignidade do Ser Humano fosse sempre o Centro para onde se dirige o gesto da mão simples e aberta, do olhar terno da solidaridade, da desinteressada entrega  de Amor, por troca com o nada o único, só, que transbordantemente preenche quem na consciência da sua ínfima "pequeneninez"  tem a inmensuravel grandeza de um  Simples e do seu Sorriso ...
Do que acabo de dizer nada cabe nos ovos carimbados, ou, dito de outro modo, aos assalariados de impérios de muita índole - como Seabra repetidamente denuncia revelando.
Na página 165 do 1º volume da sua obra "De Exílio em Exílio ( 3), infelizmente só este volume viu a luz do dia ... vá-se-lá saber porquê ... , a qual, vá-se-lá saber porquê, rápidamente desaparecida de circulação ... editada pela Fólio Edições, igualmente desaparecida e, mais uma vez, vá-se-lá, uma vez mais, saber porquê, o próprio José Augusto escreve, breves momentos antes de deixar o país, a salto (sic) :
.
«Um poema então escrito, o último antes de partir, dirá talvez, melhor do que tudo o mais, o que me ia por dentro, nesse adeus a Portugal:

Encanecida pátria de joelhos,
aqui te deixo, exausto de sofrer-te.
Vou de olhos secos, cegos de perder-te
sossegar ódios velhos.

Vou sacudir-te as lágrimas de nojo
das mãos e mãos inertes.
Aos que as sabem mais fáceis de verter-te
abandono os despojos.

Vou aquecer-te ao bafo de outra face
quente, clara e agreste.
Aconchego-te aos restos 
da minha pele gasta de afagar-te.

Vou de jornada. Aceno
um lenço breve e incerto.
Voltarei, voltarei. Num gesto
mais rebelde e sereno.

Ergue os teus ombros, pátria de joelhos,
olha-me bem nos olhos para ver-te:
quero levar-te e ter-te
no meu ódio já velho.

Esta obra de José Augusto Seabra a que, com o génio que o caracterizava, deu o título de "De Exlílio em Exílio" (3), enquanto apenas expressa por um primeiro volume intriga-me. Como já referimos, fica por entender por parte do vulgo se o resto ficou no tinteiro ou se realmente saiu do tinteiro e se "imbaporou" sob tórridos calores ou se sublimou através dos sólidos gelos. Já lá dizia a Dra. Floriza: quando um líquido passa a gás chama-se evaporação. Se passa de sólido a gás chama-se sublimação. Never mind: o resto da obra desapareceu e não tenho informação de como nem indicação de por quem ou, ainda, porquê. Também se poderia hipotetizar existir de facto, na sua totalidade, mas muito bem guardada por mãos bem preparadas para o efeito. Esta obra, dizia, apesar de apenas reduzida ao seu primeiro volume com o sub-título de Resistências e Errâncias (1953-1963) é um trabalho fascinante. Tudo lá se conta, mostra e demonstra: dos primórdios no Liceu Alexandre Herculano onde destaca o nascer da sua admiração pelo então Doutor Brandão, ( depois D. Domingos de Pinho Brandão, Bispo de Leiria e, por fim e até ao fim, Bispo Auxiliar da Diocese do Porto, de D. António Ferreira Gomes) e que, digo eu, só lhe não sucedeu porque motivos de saúde se lhe interpuseram. A sua amizade pelo Victor Alegria e pelo Belmiro Guimarães. A sua passagem pelo Liceu D. Manuel II e o modo subtil da sua convivência, formadora, com o Professor Oscar Lopes. A fundação neste liceu do Jornal "O Mensageiro". A passagem pela Universidade de Coímbra. A intensidade de progressão em curva logarítmica da sua vivência e participação das atmosferas políticas da época, na luta pela destruição do Estado Novo. Os estorvos permanentes e as perdas de energia e de tempo em contornar e subtrair-se aos donismos no interior dessa luta. E, pelo menos da sua parte, pela sacrificada entrega à luta pela  Instauração da Democracia, Democracia, repito, livre dos Donismos dos Impérios. Com a sua actividade, enquanto militante e dirigente da intervenção académica nessa luta. A sua primeira prisão - tinha então 17 anos de idade -, a sua permanência e a barbaridade dos interrogatórios a que se submeteu nas instalações da Pide na Rua do Heroísmo, as palhaçadas jurídicas do chamado Tribunal Plenário, onde foi brilhante, serena e firmemente defendido pelos históricos advogados, Dr. Mário Cal Brandão e Dr. Santos Silva. A sua condenação à prisão no Forte de Peniche, onde no piso que lhe ficava por cima do da sua cela estava há anos a cela habitada por Álvaro Cunhal. Curioso o pormenor de que nunca com o Dr. Álvaro Cunhal falou, durante essa estadia e o detalhe de que apenas se viam em silêncio, dentro de uma sala, onde, com os demais presos estadiavam por curto tempo, julgo que após uma das refeições. Depois da saída de Peniche, a sua experiêcia de "liberdade" estritamente vigiada. As tóxicas, irrespiráveis e metabolicamente inaceitáveis circunstâncias - por cerebrações de harmonia interna coesa e saudável - a que chama "a encruzilhada insegura dos tempos" e "batalhas incertas". A sua "República" (sic) em Lisboa e o seu papel enquanto com responsabilidades dirigentes no movimento estudantil universitário. O esforço pedagógico por lograr comportamentos respeitadores da originalidade e liberdade interior de cada um. O objectivo de se impedir a instalação de dogmatismos e das camisas de força, sob a especiosa 5ª essência da "Unidade", como chamavam ao biombo por trás do qual a "5ª coluna" punha em prática as "Guide Lines" (não sei como se diz isto em Russo) dos cabecilhas imperiais de serviço e de toda a sua corte - que a liberdade de cada qual escolha a acentuação, mais aberta ou mais fechada, a gosto de cada um  . Enfim! : o objectivo de se impedir o muito, afinal, do que de mais baixo tem a natureza humana: a possessividade, a intolerância, o dogmatismo, o donismo, a consideração da mais completa irrepreenssibilidade dos meios desde que para se alcançarem as mais bárbaras e infâmes finalidades, a serviço das elites e dos chamados "sete por cento" que, mais ou menos, sociologicamente se demosntra, é sempre a dimensão de que se necessita de dispor em número de apaniguados a usar para se construirem imperiositos de merda ou os super impérios de bosta. Sempre sobre o comando da regra do "polegar de ouro": A infinita dignidade do ser Humano não existe. Só existem os interesses a curto, a médio e a longo prazo, os interesses do "meu" grupo, um dos quais bem aquecidinho pelo sol da terra. "De Exílio em Exílio" mostra pelo que, e por quê, se bateu José Augusto Seabra. Por quê se exilou e posteriormente repetiu exílios que ficaram por contar.
Acolhido na melhor ambiência intelectual do Paris da Sobornne ali veio a fazer crescer frondosamente, dentro de si próprio, tudo quanto em si já levava em raízes e primeiros ramunsculos de uma árvore de vida, da Vida, a prometer frutos que solidariamente passará a vida a repartir.
Integra-se no grupo de Roland Barthes e, sob a sua orientação participa na actividade de um, vamos lhe chamar assim, Laboratório de Investigação da Semiótica. Nesta ambiência estimulante e profundamente estruturada na solidariedade e vivência, em grupo, dos que nela pensam, desenvolvem o pensar, se entreajudam a pensar cada vez melhor, produz um notabilíssimo estudo sobre Fernando Pessoa o qual, depois de "formatado" na estrutura da chamada Dissertação de Doutoramento, apresenta, em 1971, à École des Hautes Études de Paris sob o título «Analyse Structural et des Heteronymes de Fernando Pessoa: du Poémodrame au Poétodrame». O melhor da intelectualidade europeia e não só,  dedicada à época ao estudo de Pessoa abre a boca até às orelhas ... Foi considerado por muitos estudiosos de Pessoa a melhor e mais profunda e mais original investigação que alguma vez se tinha feito sobre o Poeta Pessoa e a Pessoa do Poeta Pessoa.
A Sorbonne concede então a José Augusto Baptista Lopes Seabra o título de Doutor. Porém, e antes de ir mais adiante, não me posso permitir calar o que se segue: o conteúdo deste deslumbramento do pensar vem a ser traduzido para Português, para o grande público, e - vejam lá! -  publicado  pela Editora "Prespectiva, S/A", de S. Paulo-Brasil. Só 10 anos depois, apropriadamente licenciada, a "Imprensa Nacional Casa da Moeda" faz uma tiragem - de 2 mil exemplares, ouviram bem ? ... de 2 mil exemplares - comemorativa do centenário de Fernando Pessoa de que alguns, poucos, dos exemplares foram parar às livrarias. Tive sorte: comprei um deles  na Loja da Brasília da Bertrand, no Porto. O exemplar que possuo  era o único que a Bertrand tinha nas suas lojas nesta Cidade. Coitadito do portugalito que tanto génio deixa e vai continuar a deixar passar nas enxurradas da estupidez dos donismos do momento, das culturas do aparecer, da massa fácil subsidiodependente, pingona do cartãozinho de inscrito numa coisa qualquer lá entre eles, por fim de
quem diz "se a tinta e o tintol são meus é para ser feito como eu digo, mas sem ninguém a ouvir-me o que estou a dizer"... Tudo no vácuo inbecilizante que impede o crescimento, pela cultura, do Ser. Quem sou eu para me pôr com estas "elocubradelas"... . Porém é o próprio José Augusto que na "Apostila À Edição Portuguesa" - a da Imprensa Nacional - em 1988 - com o título de "Fernando Pessoa" ou o "Poétodrama" escreve: ... « ... mais de dez anos depois de circular, em letra impressa, com larga e feliz fortuna, pelo Brasil irmão»...... « ...... que à sua volta se tenha tecido além Atlântico uma rede de afinidades intelectuais - a dos "Amigos do Texto", de que falava Barthes -....... «deste lado de cá ela foi, "et pour cause", mais lassa e fragmentária; que alguns silêncios críticos tenham prolongado a interdição de citação, e até de nome, a que a censura longamente me habituara  - tudo isso é já outra história, que um dia, por certo, se escreverá, pois a História, essa, continua.»...(2) ... Atenção meu «numeroso» leitor, Seabra escreve isto em Paris, a 13 de Junho de 1988, ou seja, 14 anos, 1 mês e 19 dias depois do tão enxovalhado 25 de Abril, desde há tantos anos, por tanta gente, que dele se serviu, deixando  o povo português na míngua, na miséria da sua vida material e imaterial, da sua respiração democrática .  Tudo isto a serviço de Impérios já em falência técnica, dos gulaguismos ou das globalizações universais. Correntes ... correntes diversas, que não diferentes enquanto correntes que correm sempre para o mesmo lado.     "À bruta", ou "com pinças de relojoeiro", se logrou  substituir as Culturas do Ser pelas do nada ... as da imbecilização programada...até à inanidade da anodínia, da abulia ... . Se te levo aí, levo-te tudo!...O Ditador agora sou Eu... e tu nem sabes quem  sou EU e, muito menos, quem EU sou...  O José Augusto via, muito, muito  longe !!!...
Desculpem lá a refilisse e retomada a tranquilidade do prazer de falar do que é grande continuemos a contar.
Posteriormente veio a ser Docente nas Universidades de París VIII e Paris X, bem como na Escola Normal Superior.
A imagem da fig.5 mostra recriação pelo escriba desta e-mucanda de fotografia de José Augusto Seabra, feita na época em que realizava as suas investigações com Roland Barthes. Teria cerca de 30 anos de idade (1).

Fig. 5

É dado especial relevo ao longo das páginas do "De Exílio Em Exilio" à fundação da Associação dos Estudantes Portugueses em França, de que é um dos impulsionadores e particípes e da qual vem a ser Presidente. Com esta forma de intervir na construção dos mecanismos para um futuro derrube do regime de Salazar entra nos frenéticos vai-vens (a designação como se verá adiante, é sua) e neles vai procurando sensibilizar, fazer adrir, receber apoios internacionais ao logo da Europa, nomeadamente de Leste. É num desses vai-vens que o José Augusto faz uma estadia em Praga e em, (na altura, na assim chamada) Leninegrado. Posteriormente estadia brevemente em Moscovo. Cito da pag. 237 das suas "Resistências e Errâncias" (3) esta afirmação: «em Moscovo, onde ia enfim demorar-me alguns dias, depois de já anteriormente aí ter feito escala, nos meus vai-vens apressados, haveria de conhecer agora uma outra Rússia que sabia ser bem diferente da de Leninegrado: a do poder soviético autoritariamente centralizado, com toda a estrutura pesada do estado e do partido único, ainda mais perceptível e omnipresente. Foi com um misto de fascinação e de temor reverencial que cheguei assim à Meca do Comunismo, de que carregava comigo as visões contraditórias, antigas e recentes , acumuladas ao longo de leituras e de imagens sobrepostas, além dos testemunhos que nas minhas viagens fora colhendo». 
Estas andanças aqui especificamente referidas prendiam-se com a participação que teve no Congresso da União Internacional de Estudantes realizada em Leningrado. Krushtchev tentava, nessa ocasião desstalinizar a União Soviética. Refiro o detalhe só para se poder entrever melhor as atmosferas em que Seabra se movia. Impulsionava-o a ideia central de que era erro crasso, de palmatória, a insistência nos donismos e o cavar dos fossos dos maniqueismos, apostados em controleirar sempre a criação pela inteligência livre. Que bela, a compostura - a elegância - com que verbera o que, com a sua aguda perspicácia divisa para futuros "a haver", de horrorosas negruras, mantendo sempre imenso  respeito e a enorme sensibilidade com que em tais situações se dirige descreve , recorda - em suma, historia, com respeito pela pessoa, enquanto Pessoa  - os  seus adversários.
Entretanto Seabra vai exercendo a sua actividade académica em França e, fazendo um pouco lembrar as arquivoltas com que subitamente Camilo Castelo Branco - o da nossa Avenida - nas suas novelas surpreende tudo e todos, surge, ao que percebo, com surpresa para o próprio Seabra, convite para vir a ser redactor na então chamada "Voz de Moscovo". O que, depois de ouvidos conselhos e opiniões por si solicitadas, a figuras que lhe mereciam na intelectualidade que o rodeava no seu meio universitário e político em França, depois ainda de tudo isto analizado e muito ponderado, acaba por aceitar, assim se dispondo a fazer   a experiência. A sua estadia em Moscovo não terá sido muito longa. Meses?... Nunca se deve olvidar o pequeníssimo detalhe, porém de infinitas consequências, da personalidade e do profundamente autoeducado modo de ser do Cidadão José Augusto Baptista Lopes Seabra. Como qualquer ser humano José Augusto é uma originalidade irrepetível. Na sua "originalíssima originalidade" irrepetível, José Augusto Seabra com o seu permanente respeito por todos os Homens mesmo se responsaveis, fautores, de graves danos a terceiros, na condição de uma simplese frágil unidade, ou em  corpo colectivo, em  colectivos, como os da cidadania de um país, ou os de toda a humanidade, José Augusto Seabra, nunca abdicava de ser o José Augusto Baptista Lopes Seabra. Rapidamente lhe "roubam" o passaporte (!!!...) , (quem?...sim!... quem?!!!...), rapidamente o deixam no mais profundo abandono e na mais completa desprotecção, rapidamente é transformado na imaterialidade do nada. Julgo que recorre à Embaixada Francesa em Moscovo, por quanto Portugal, nessa época, não tinha relações diplomáticas com países dessas regiões do mundo. A França trá-lo de volta. Para França (?) ... Seabra escolhe acantonar-se em Argel, onde muita coisa o atraía, enquanto abrigo para muitos Portugueses e outros Lusófonos. Estadiavam ali para intervirem, "cada qual com su cadaqualada" na luta pelo fim da ditadura de Salazar. Uns com mais lealdade para com o "companhon de route", outros com a cega lealdade apenas pelas "guide lines"  no seu bolsilho de  despersonalizados funcinários robots...
"De Exílio Em Exílio" suspende o contar ... De repente, acordo do meu estado de fascinação.  Dou comigo a relembrar-me das noites da minha infância, em Trás-os-Montes, em redor da lareira, no Inverno, a ouvir o Avô contador de histórias, que, no melhor da noite, subitamente se interrompe e proclama: agora vamos dormir. Depois, quando achar melhor, se achar melhor, contarei mais ...
Não sei rigorosamente nada sobre as acontecências relativas à permanência do nosso "Xiabrinha" em Argel. Porém algum tempo depois, afigurasse-me, tentando ler sinais, (isto é que é Semiótica, né ?!...) que, se calhar nem o são, Seabra, para sua própria segurança pessoal tem de, mais uma vez, a salto, mudar de poiso. Refugia-se em Itália e, aí, por sentido de solidariedade, de quem reconhece em alguém a sua condição de acossado, em risco, na mais completa desprotecção, nomeadamente, até, pela inexistência de um passaporte (a livre circulação de cidadãos e bens pela Europa pela qual de resto Seabra já então se batia só veio décadas depois), numa época complexa da vida política europeia e da sua segurança, e aí, dizia, pela solidariedade de alguém, com o sentido da grandeza do Homem Grande, somente porque frágil, acossado, em risco, só porque com inaceitáveis comportamentos - os de Pensar Diferente -   consegue um novo passaporte. Com o  documentozinho no bolso, dirige-se tranquilamente, imediatamente, para França onde volta a sentir o calor do bom abrigo e retoma a sua actividade académica e política. A «doce França!...» como lhe chama...
Os anos passam. Em 25 de Abril de 1974 muda tudo. Muitíssimo, para melhor. Infelizmente, muitíssimo - também - para pior.
Seabra organiza imediatamente o seu regresso a Portugal onde logo se apresenta para participar na fervente vida política do momento. Integra-se numa "coisa" que julgava ser um partido social democrata. É eleito Deputado à Assembleia Constituinte, onde brilhantemente presta a sua colaboração para a elaboração da nova Constituição Portuguesa. Recebe Cátedra da Faculdade de Letra da Universidade do Porto, na qual, já como professor catedrático, desenvolve notável actividade académica abrindo largos caminhos para a expressão das originalidades de cada um nas áreas que ele próprio impulsiona - da investigação e da cultura- nomeadamente nos campos da "Semiótica".
A certo  passo do andamento do País, surgem entretanto atoleiros muito difíceis de caminhar. Assim, durante a formação de um novo governo, aceita, por isso, o convite para assumir a pasta da Educação. Que pena que por tão pouco tempo por lá tenha estado. Assisti na televisão, com alegria, ao seu discurso de tomada de posse como Ministro da Educação. Impressionaram-me diversas facetas do seu programa. mas exultei com a ideia central que apresentou de que o seu ponto fucral e de prioridade absoluta no programa para a sua intervenção como Ministro da Educação seria o da criação, estendida a todo o País, do Ensino Técnico Profissional. Significava isto que no pensamento e nas preocupações de José Augusto Seabra, enquanto Ministro genuinamente Social Democrata, hostil aos abusos de confiança de quem se esconde por trás de biombos com setinhas pintadas para a direita e, na realidade, assim, escondidamente, pratica a negação da Social Democracia, tudo isto num país à deriva, que não conseguia perceber os caminhos a percorrer, mas queria ser digno, porque respeitador da dignidade infinita de todos os Homens e anciava pelo disfrute de uma Democracia genuína. No pensamento e nas preocupações do Ministro Seabra, dizia eu, es exactamente a maioria, a grande maioria dos Portugueses aos quais queria oferecer a possibilidade de Serem, cada qual com a sua vocação e para todos com o respeito pela vocação de cada um. Qualificando todos os Portugueses para poderem Ser, qualificava Portugal. Habilitava-o a poder, com ombridade de carácter, sem tráfego de influências entre  grupos e grupelhos, de lobbis e por  tuti quanti da canalhice que faz brazão, à moda do que de melhor se praticou no miguelismo, como contado pelo nosso Alexandre Herculano, para poder, dizia, competir qualificadamente e, desse modo, ser participe respeitado, limpo, de uma Europa centrada no Homen e nunca, jamais, no dinheiro, nos primarismos comportamentais das poderosas buscas do poder para as inúteis e catárticas finalidades do poder pelo dinheiro.                                                                                                                                           
Nunca, insistamos, uma europita(?), ou europuta(!), sovada por juristas, pagos a metro, para lentamente irem, vaselinadamente introduzindo a lei da selva, a lei da valeta transformada em vala comun, a lei da pobreza como estilo de vida, a lei do sofrimento, escondido, calado, na doença, na fragilidade, na e da sem voz, do abandonado, olhando - sem ódio -  todos os dias, para a impáfia e a "impância" dos 1300 intestinos ambulantes,que fazem rebrilhar suas gravatinhas de seda cor de rosa, comprada, cada uma, por mais alto do que o valor do salário mínimo nacional, com o mais completo desdém por quem lhes gera a riqueza, convivendo,  por  subtis modos de estar, numa caldeirada "harmónica" de mais sal ou mais pimenta, consoante apetites de ocasião,  com a mabecada que vive confortavel, nos entrelinhados sorrisos, com que respeitosa e democráticamente  ouve com mui nobre atenção os ladrares e latires,  desordenados e desconexos, da Mabecada e das Hienas, também designada, por tic, de "pessoal político"(?), no melhor, representantes (?) do pôvo, no muito mau, e Figuras de Estado (!) no iniludivelmente inaceitavel....
Parece que os Sumérios tinham escravos. Parece que os Egipcíos tinham escravos. Parece que Roma tinha escravos. Parece que o Infante D. Henrique, só à sua conta, de uma só vez, mandou buscar 400 escravos ao Senegal (informa Vitorino Nemésio enquanto "acessa"- possa se Marquinhas!...acessa?!.... - os documentos guardados na torre da queda - Parece que Hitler tinha milhares de escravos a trabalharem para as suas fábricas de guerra. Parece que Staline tinha milhões de escravos a trabalhar para gerar as calorias do sol da terra. Parece que gente que sabe esconder o capital, sublimá-lo, fazendo-o passar de sólido a gás e até passa por serem muito "boas pessoas" de "muito boas acções", e ainda "melhores famílias", com muito fina educação demonstrada nos seus cumprimentos de um só beijo, escravizam milhões em todo o mundo, para alcançarem a força, o poder, a riqueza que é de toda a Humanidade. Que tristeza ? ... : Parece que Portugal está hoje a recapitular tudo isto para calmamente ir remontando, pela calada, todos estes "brilhantes" - rebrilhantes"-  sistemas criados pelas infâmias das mentalidades de Homens Primatas (?) ... que tristeza ? ... era para evitar tudo isto e construir o Crístico Mundo Melhor que Seabra sempre lutou e por isso aceitou ser Ministro da Educação. Funestos acontecimentos não permitiram desenvolver o projecto e a experiência. 
A altura e a qualidade e a sua capacidade de movimentação política definem-no como personalidade ideal para presidir à delegação Portuguesa na UNESCO. Alí refulge, uma vez mais a sua qualidade intrínseca. Seabra é sempre Seabra. Culto.Visionário.
Entretanto, cedo descobre que na ambiência do metabolismo político e social da democracia portuguesa, o cuco já está a programar o ninho em que se vai instalar. Rapidamente aparecem os filhos da cuca - e de desconhecidos cucos, sem rosto - e compreende que Portugal passou a ser pastagem para o embuste. Com a capacidade de projectar o futuro que sempre o distinguiu, percebe muito cedo, que se está a instalar no País o logro. Partidos alavancas de imperialismos, socialismos metidos na gaveta, sociais democracias que nunca - jamais - se praticaram em Portugal (até hoje, afirmo eu, e sei porque o digo - vivi nela e observei-a a funcionar por dentro, anos, na Escandinávia), democracias cristãs que não sabem ler nem escrever o que, por exemplo o Senhor Adenauer proclamava, acho que nem sabem quem era este Senhor. Numa palavra: o pântano.
A vil competição de interesses, o estabelecimento dos lobbies, manufacturando partidos por medida, com programas em formato de "guide-lines",enfim como se dizia no nosso tempo de liceais: um dispautério !.
Os interesseiros intrigalhismos extinguem sem demora a sua presença na Unesco.
Mais tarde vem a ser brilhante representante de Portugal enquanto Embaixador - sobretudo exibindo a única coisa com  que Portugal poderá, um dia, vir a ser ouvido, seja onde for - CULTURA.  Embaixador dizia, de e por uma política, de elevadíssimo valor cultural (os diamantes que Portugal continua a não saber encontrar nem descobrir para os pôr à contemplação deslumbrada de todo o Mundo). Seabra tem a noção, a convicção, o desiderato de que PORTUGAL NÃO VAI VALER PORQUE VAI VENDER PIRÍTES DO ALENTEJO OU ALMÔNDEGAS EMBRULHADAS EM PAPEL CELOFANE COM A CARA DO RONALDO ESTAMPADA. PORTUGAL SÓ PODERÁ VALER NO MUNDO E NELE SER RESPEITADO, SE FOR CULTO. SE SOUBER PENSAR E SE SOUBER FAZER PENSAR. EM PORTUGUÊS - A MINHA PÁTRIA É A MINHA LINGUA - Clamava com lúcida singelesa Fernamdo Pessoa....
Foi por isto que, uma vez mais, lutou, nos seus novos Exílios - agora dourados  - enquanto Embaixador de Portugal na Roménia, na Índia e na Argentina. De resto por muitos anos teve sempre grande intercâmbio cultural com o Brasil e, julgo, mas não estou disto seguro, ,  também, com o Uruguai.
*
Meu caro, paciente e numeroso leitor: Dizem-me, às vezes, amigos sinceros, porém apressados, com pouco tempo ou pachorra para ler os sinais dos tempos: «És um pessimista»....
Serei...
Serei?...
E se o que lá para traz for dito por quem tem a Autoridade das muitas autoridades que o enriquecem?
Pois meu caro José Augusto: ajuda-me a ser claro , a definir - com agudeza e verdade - o rebordo do precipício, a partir do qual, com inenarráveis sofrimentos, cairemos nas mais refinadas  máquinas de picar a carne da tragédia. Tragédia sorridentemente aguardando pelos portugueses, aguardando por Portugal. «Está quase na Hora» . Numa fracção de segundos seremos Nada.  Diz tu por mim....
quem sou eu?!... 
E disse: (4)

«Manifesto cívico pela moralização da República:


1. Os cidadãos face à crise

A vida pública portuguesa vem dando, nos últimos tempos, sinais inquietantes do alastramento de uma crise cívica e moral grave. Ela necessita, pois, urgentemente, de espaços de reflexão e de intervenção dos cidadãos na polis, para fazer face a essa crise larvar, restituindo-lhes a confiança nas instituições democráticas, abalada por uma suspeição cada vez mais generalizada acerca da sua representatividade e do seu funcionamento.
As causas desse estado actual da República, quase três décadas após a queda da ditadura e a Instauração da democracia, são profundas e múltiplas, remontando umas a raízes históricas e outras a erros mais recentes, quer das forças políticas dominantes, quer das sucessivas governações. Mas a principal dentre elas é, sem dúvida, a carência atávica de uma educação para o exercício da cidadania, alicerçada numa consciência ética dos direitos e deveres de cada um e de todos, que leve ao respeito dos valores da dignidade pessoal, familiar e social, através da tolerância e da solidariedade, assim como do trabalho honesto e criador par o bem comum.
Essa carência afecta as classes dirigentes como largas camadas da população, acentuando o divórcio entre umas e outras, com a consequente descrença nos princípios fundamentais que devem reger uma sociedade livre e responsável, onde seja garantida a aplicação da Constituição e das leis pelos poderes democráticos legítimos, assegurando-se a igualdade dos cidadãos perante elas e punindo-se os abusos e as corrupções que as pomham em causa, tanto no Estado e na administração pública como na sociedade civil. Sem isso não há democracia credível nem digna desse nome.


2. Alertas e avisos

Os alertas para os riscos de uma anomalia social - isto é, de uma sociedade sem regras reconhecidas nem sanções contra a violència - têm sido recorrentemente lançados por alguns espíritos independentes, a exemplo dos avisos que no passado foram por outros feitos, quando crises semelhantes afectaram, no Liberalismo e na Primeira República, as instituições constitucionais e a sociedade moderna ainda frágil sobre que se sustentavam, face ao retorno insistente de vícios herdados dos tempo em que o obscurantismo absolutista e inquisitorial tinha conduzido a uma decadência prolongada, agravada pelo isolamento de Portugal do resto da Europa evoluída. Lembremo-nos do protesto moral de um Herculano, afastado em Vale de Lobos, mas que juntou a sua voz ao sobressalto crítico da geração de 70, liderada por Antero, que depois encabeçaria a Liga Patriótica do Norte em resposta ao Ultimatum e à submissão a este do poder monárquico. Recordemos o levantamento patriótico republicano do 31 de Janeiro, na sequência, e as prevenções dos seus mentores mais lúcidos, como Sampaio Bruno e Basílio Teles, sobre a profundidade da crise nacional, a que só a República podia dar saída, uma República que se identificasse com a dignidade e a independência do povo português, como as exaltou Guerra Junqueiro na Pátria. Não esqueçamos ainda os apelos da Renascênça Portuguesa, no início da Primeira República, para que esta assumisse toda a sua dimensão cívica, pedagógica e cultural, como a concebiam um Leonardo, um Pascoais ou um Jaime Cortesão. E tenhamos bem vivas as repetidas chamadas de atenção deste, na Seara Nova, ao lado de Raul Proença e de António Sérgio, sobre a gravidade da crise do regime republicano, já na fase declinante, que levaria à sua queda e à instauração do «Estado Novo» salazarista. Quantas destas e outras vozes se fizeram ouvir, durante a ditadura, com avisos acerca da tragédia a que ela conduzia o país, como, quase in fine, as de um General Humberto Delgado e de um Dom António Ferreira Gomes!


3. Uma Carência de Abril: a Educação Cívica

Também após o 25 de Abril, durante a transição conturbada para uma democracia constitucional pluratlista, algumas personalidades e sectores de genuínas convicções republicanas se preocuparam com a falta e a necessidade premente de uma pedagogia cívica para formação em Portugal de uma autêntica consciência democrática, depois de décadas de privação dela, sob a pena de a Segunda República poder vir a ser afectada por erros idênticos aos que levaram ao fim da Primeira. Tal foi o caso, por exemplo, da Comissão Cívica Independente, no início da década de 80, quando começaram a manifestar-se os primeiros sintomas de degenerescência da vida política, denunciados por uma figura intelectual tão prestigiada como Vitorino Magalhães Godinho, depois remetido como Herculano ao afastamento da cena pública. Uma outra tentativa se lhe seguiu, com o desenvolvimento cultural e a revista Nova Renascença, reactualizando nas últimas duas décadas, num outro horizonte nacional e internacional, a herança recebida da Renascença Portuguesa através dos seus sobreviventes, como Agostinho da Silva, António Salgado Júnior, Sant'Anna Dionísio e Arnaldo Veiga Pires. Nos seus manifestos e nas suas páginas se alertou, ainda e sempre, para essa carência gritante.
Desse alerta se fez eco um dos raros governos constitucionais que com tal carência se preocuparam. Assim, em 1984, chegou a ser criada a disciplina de Educação Cívica, assinalada no 10º aniversário do 25 de Abril pela reedição pelo Ministério da Educação do livro de António Sérgio com esse título. Mas essa decisão não foi sustentada pelos governos que se seguiram, a pretexto de sucedâneos vários, que diluiram a formação pessoal e social dos jovens, sem os preparar devidamente para o exercício da cidadania. A ideologia do «sucesso», incentivando nas gerações emergentes a avidez da promoção a todo o custo, sem um estudo e um trabalho sérios, adulterou a sua natural aspiração a um futuro melhor, que no entanto exigia uma correspondente qualificação educativa, cultural e profissional. E a mediocridade generalizou-se, com o acesso aos centros de decisão política e económica de elementos sem competência, preterindo-se o mérito em favor do alinhamento ou carreirismo partidários.


4. Do dinheiro fácil à «ditadura financeira»

 Entretanto, a adesão de Portugal às Comunidades Europias, condição necessária para nos libertarmos das ilusões coloniais e imperiais, que levaram afinal ao atraso e ao isolamento do país, fez nascer a esperança de que as estruturas económicas, sociais e culturais seriam reformadas e modernizadas, abrindo-se assim um novo ciclo da vida nacional. A participação nas instituições da União Europeia, com o acesso inerente aos fundos estruturais destinados a superar os handicaps nacionais e regionais do nosso desenvolvimento, trouxe de facto uma dinâmica inegável à nossa economia, dando-lhe uma oportunidade histórica de acompanhamento dos países europeus mais avançados, que o ingresso na zona do Euro confirmou. Mas, entretanto, criou-se uma euforia artificial do dinheiro fácil, semelhante às que em épocas transactas Portugal conheceu com o afluxo das especiarias da Índia ou do Ouro do Brasil, que inebriou aa classes dominantes e contagiou o próprio povo, ao ver, como na sátira de Sá de Miranda, «correr pardaus por Cabeceiras de Basto». Como lapidarmente sintetizou Jaime Cortesão, ao analisar, no epílogo da Primeira República, as causas da «crise nacional» então latente, «Portugal encheu-se de riquezas, trazidas de toda a parte. Mas o trabalho são, a exploração das riquezas naturais e a organização das classes definharam quase por inteiro». Com os empréstimos externos da época do «Fontismo» e a sua obsessão das obras públicas, mas sem as reformas sociais e das mentalidasdes a acompanhá-las e sob um «rotativismo» político mediocre, começara o que Éça e Ramalho, nas Farpas, chamavam o «progresso da decadência». Muitos dos textos dessas crónicas dos costumes caseiros poderiam ser aliás transpostos para a actualidade, com plena pertinência, como alguns já fizeram ...
Na verdade, mutatis mutandis, em situação histórica diferente, é certo, as mesmas tentações retornaram. E as consequências fizeram-se de novo sentir. Depois de um período de «vacas gordas», assiste-se agora ao desiquilíbrio das finanças, com o erário público afectado pelas fugas fraudulentas ao fisco, sem que o mero corte drástico das despesas seja de molde a relançar a vida económica, sacrificando as necessidades fundamentais das popuilações. E que, como preveniu Fernando pessoas nos primórdios do salazarismo, um país governa-se «com contabilidade, mas não por contabilidade»! Nenhuma «ditadura financeira» salvará o País.
Não se tendo transformado nas suas estruturas profundas, através de um trabalho organizado e produtivo, de uma solidariedade social autêntica, de uma educação geral e profissional de qualidade, de uma cultura realmente evoluida, Portugal corre o risco de recair nas velhas pechas de uma mentalidade passiva, adulterada pela sociedade do espectáculo permanete, sobre o pano de fundo da corrupção endémica. Felizmente, e aí reside hoje a grande diferença, esta é agora denunciada pelos média, por virtude da liberdade de informação e de opinião - a principal conquista do 25 de Abril, tem de reconhecer-se. Mas isso sem que daí decorra uma moralização efectiva, que só pode provir de uma justiça independente e eficaz, de que resulte um apuramento das responsabilidades individuais e colectivas.


5. Mudar as mentalidades: uma prioridade nacional

Aí estamos. Como remar contra esta maré baixa cívica e moral? Alguns queixam-se das falsas «elites», como se bastasse mudar de dirigentes para que automaticamente uma mudança global da nossa sociedade daí se adviesse. É certo que faz falta um escol interveniente, que não se refugie em Vale de Lobos. Mas as origens do mal são mais fundas e as metástases mais tenazes. Só da transformação das mentalidades, das atitudes, dos comportamentos dos portugueses, na sua vida pública e privada quotidiana, poderá emergir uma renascença das suas reservas humanas. Ela há-de fundar-se numas consciência lúcida de todas as raízes e de toda a extensão das mazelas da nossa socieade, baseada numa análises séria e sem complacência do que Sérgio chamava o «Reino Cadaveroso». Não basta porém um diagnóstico como o já há muito feito. É necessário uma terapeutica com efeitos continuados. E isso passa pela educação cívica, pela reflexão crítica, pelo confronto fecundo de ideias, através de um diálogo exigente e não de fachada, em que participem os cidadãos de boa vontade e de diferentes convicções, mas animados de um projecto de mobilização e não de obsessões polémicas ou ambições de poder.
A respublica não é compatível com o estado de depressão cívica e moral que se instalou pouco a pouco na vida nacional: a coisa pública, porque é de todos e de cada um, tem de respeitar as normas democráticas, de obedecer ao interesse geral dos cidadãos, prosseguido através dos seus representantes legítimos, que eles escolherem livremente para cumprirem os seus mandatos conformemente às suas obrigações colectivas e não aos seus interesses particulares. de contrário, a República perverte-se e a democracia perde o seu sentido, desacreditando-se, como já começa a acontecer aos olhos do cidadão comum e do povo. É tempo de acordar, pensar e actuar.


6. Um Centro Republicano de reflexão e acção

Conscientes de que, perante a gravidade da situação presente, é necessário não só refletir mas agir sem demora, não deixando que o país se afunde nem fiquer à deriva, um grupo de cidadãos, unidos pelas ideias e pelos ideais da república, embora de opiniões diversas, e independentemente dos partidos a que pertençam ou não, decidiu fundar um Centro de Estudos republicanos, ao qual deu o nome de Sampaio Bruno, em homenagem a essa figura tutelar do republicanismo portuense, português e europeu, enquanto filósofo, homem de cultura universal e político militante, que foi o grande mentor do 31 de Janeiro, cuja efeméride hoje comemoramos. O centro organizará conferências, colóquios, seminários e grupos de investigação que irão incidir quer sobre a República no seu plano teórico e histórico quer sobre as questões que se põem, no mundo globalizado contemporâneo, à construção de uma República moderna, por que tanto pugnou, por exemplo, um Pierre Mendès-France, homem político francês de genealogia portuguesa, que lhe servirá também de referência. nesta perspectiva, o Centro ocupar-se-á não só do estudo comparativo dos regimes republicanos, tanto na Europa como na América do Norte e Latina e noutros continentes, mas das questões jurídico-constitucionais. económicas, sociais, educativas e culturais que lhes estão subjacentes. Não podendo esquecer, sobretudo, as que dizem respeito aos países irmãos em língua, e nomeadamente o Brasil, a cuja República Sampaio Bruno dedicou todo o livro: O Brasil Mental.
Serão convidadas a participar nas iniciativas do centro personalidades portuguesas e estrangeiras de sólida e reconhecida competência no tratamento das questões em debate, independentemente das suas tend~encias, desde que empenhadas com tolerância na renascença da res publica, no contexto de uma mundialização controversa, pontuada por uma crise civilizacional, tendo sempre presente que a ideia e o ideal da República são universais, nas suas manifestações em diferentes espaços, épocas, sociedades e culturas.
Mas, para além disso, o Centro  de Estudos Republicanos «Sampaio Bruno» não deixará de intervir, circunstancialmente, na coisa pública, numa postura independente mas actuante, denunciando os comportamentos negativos, tanto com exaltando  os positivos, das nossa forças políticas, económicas e sociais, bem como das instituições do Estado e da sociedade civil. E fá-lo-á sempre em defesa dos cidadãos, sujeitos livres e responsáveis de cujos direitos inalienáveis decorre a democracia autêntica.
A moralização da República impõe-se, hoje, como um imperativo categórico nacional, à consciência dos cidadãos bem formados. Na verdade, se «a República não é já como escrevia Bruno uma utopia de sectaristas ferrenhos, de puritanos», ela deve e pode, face à degradação reinante, «guiar a terapêutica social», «corrigir a patologia colectiva», enquanto expressão de uma «angústia comum», que é a dos Portugueses que vêem a República ameaçada e com ela a democracia por que os republicanos tanto lutaram e que o povo português fez sua, ao reconquiatar a «lusitana antiga liberdade», sempre nova e aberta ao futuro.
.
Porto, 31 de Janeiro de 2003»

Meu caro José Augusto Baptista Lopes Seabra, nosso querido Xiabrinha: se não te "desopões", como se dizia na aldeia beirã onde nasceste, deixa-me mudar-te a data do teu texto para ...
 

Porto, 31 de Janeiro de 2013.
Curvando-me com todo o Respeito, a maior Consideração e a muita Admiração, aceita-me o clamor: Obrigado.

Teu amigo Rui Abrunhosa



Fig.  6  - (4), (4A)
A Preto e Prata - por recriação - recreação -  do escriba, de fotografia  do património da Fundação "Ajuda à Igreja que sofre». Ante esta Fudação se curva o autor, respeitosa e muito comovidamente, em sinal de  assombrada admiração.


(1)  _  Agradeço a terna amizade, de décadas, com que, por privilégio, Maria Julieta Sousa Baptista e Manuel Lourenço de Oliveira me mimam.   

(2) - José Augusto Seabra. Fernando Pessoa ou o Poetodrama .Imprensa Nacional -Casa da Moeda E.P.. Dezembro 1988.

(3) -  José Augusto Seabra. De Exílio em Exílio. I - Resistências e Errâncias. 1953-1963. Fólio Edições. Porto. ( o volume de que disponho não refere a data de publicação). Mais se diga que a Biblioteca  da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, onde o autor foi Professor Catedrático, não tem esta Obra .

(4) -   In : Arnaldo Pinho ed al. - José Augusto Seabra - in memoriam. Edição:  "Letras e Coisas - Livros, Arte e Design, Soc. Unipessoal Lda e Centro de Estudos do Pensamento Português - Universidade Católica Portuguesa - Porto. 1ª Edição . Julho 2009. ( nesta obra, um conjunto de intelectuais, coordenados pelo Prof. Doutor Arnaldo Pinho e ele próprio contribuem com ensaios de abordagem à multiplicidade  das diamantinas reflexões de Luz de que a personalidade, a cultura o modo de ser e de estar de José Augusto Seabra suscitou - suscita. E continuará, não temos dúvidas a suscitar.

Utilizamos a fotografia de Seabra, estampada na sobrecapa deste livro para sobre ela tentar  recriação de um Retrato do José Augusto, - eu era o 16 ele era o 17, do 3º A. Infelizmente desconheço o autor daquela maravilhosa fotografia. Gostava de lhe agradecer, pessoalmente, o encanto que  ela me suscitou. Limito-me, aqui , por agora, a, perante ele - in pecto - curvar-me, emocionadamente agradecido.

(4A) -   Esta organização de Ajuda à Igreja que sofre foi fundada em 1947 pelo Padre holandez Werenfried van Straaten, inspirado na Mensagem de Fátima. É uma Fundação Pontifícia cujo desiderato é o de apoiar projectos de cunho pastoral em países onde a Igreja Católica está em dificuldade. Definia-lhe  o Padre van Straaten  ,de modo simples,  a sua missão: «Enxugar as Lágrimas de Cristo onde quer que Êle chore. O endereço electrónico para acompanhamento da sua actividade é: www.ais.org.br/que-e-ajuda-a-igreja-que sofre. 
Presentemente dá suporte a cerca de 5000 projectos. Está a operar em 140 países, nomeadamente Portugal.. Neste momento está especialmente concentrada na condição da Síria, onde, principalmente  em Homs, apoia a intervenção ali da Cáritas da Síria.

*  *  *

DUAS NOTÍCULAS MAIS...habituado que estou à evangélica paciência do meu "perclaro e numeroso" leitor. 

"Poistá claro" !. Quem sou eu ?!. Quem sou eu para me pronunciar ou sequer abordar o José Augusto Seabra escritor, sobretudo ensaista e, mais que tudo poeta. Não tenho qualidade cultural, sequer conhecimento mínimo de uma área para mim de grande complexidade e que considero só para eleitos. Mas parece-me falta grave não referir seja o que for sobre este outro Seabra Interior: o poeta. Tatiando no escuro, porque com cegueira literária, peço a Joaquim Matos me pouse sua mão de expert em meu ombro, para  que seja ele a conduzir-me, ao menos ao longo de 2 ou 3 aspectos relativos a esta qualidade interior do José Augusto. Poeta. Não para todos. Poesia só para muito poucos. Gosto de lha ler, mas fico-me muitas vezes, quase sempre, perplexo, interrogando-me sobre que "sinais", que "códigos" , que "semiótica", que instrumentos estes com que Seabra me quis dizer o que eu não sei compreender, por dentro. Joaquim
Matos,. proprietário, director e também escritor da revista "Letras & Letras" organizou para este hebdomanário um dossier sobre José Augusto Seabra. Está publicado no número 105, de Fevereiro de 1999, Nele. sob o título «No domínio da poética, um percurso: José Augusto Seabra», Joaquim Matos faz um ensaio que ajuda, em muitos aspectos, leigos como eu, a penetrar um pouco mais o íntimo do poeta José Augusto. Assim, guiado por ele na escuridão do meu conhecimento sobre "letras" Joaquim de Matos refere ser Seabra exemplo de "lírica difícil de classificar"(sic). E, com toda a transparência, acrescenta, "ou, mais correctamente, de leitura"(sic). Ah!!!... - então não sou já só eu... Mais adiante, o ensaísta explica-me que em "Desmemória" Seabra cinzela poemas como se seiscentista fora e "joga com as palavras, com as alterações, com as imagens, com as construções, com toda a ferramenta utilizada no século XVII, quase como para nos dar a sensação de que brinca, brincando exercícios lúdicos. Matos admite que "com um barroco formal" Seabra pretendeu construir "sinuosidades do pensamento, não como finalidades conceptistas em si, mas como dissecção do tecido existencial"(sic).
A propósito de "O Anjo", Matos hipotetiza que de interrogação em interrogação, atravessadas todas por complexas, surpreendentes, perplexantes semânticas, na aparência inconsistentes, Seabra exprimiria a sombra, ou o espelho do próprio poeta numa lírica revelante de profundidades nas problemáticas permanentemente borbulhantes nas profundesas mais fundas ou mais superficiais (subconscientes, ajunto, atrevidamente, eu) do seu autor.
Sobre o "Tempo Tactil" Joaquim de Matos realça: "Não é tempo fácil: os tempos da memória, da sensibilidade da luz, de sombra, de contornos, de esbatimentos, nas variações da morte, da sombra do exílio, do nada, da palavra nomeante do que se diz sem nomear ( itálico nosso...), numa entrega à essência da poesia do poeta que se sabe frágil, frontal e humano no espaço livre da arte. Privilégios para uma lírica do "Tempo". Privilégios para uma lírica do "Nada": «mão de nada e nada tenho exacto por dentro dos ossos sobre os braços do nada». " Sobre um cabelo lasso o nada dança"; "Desde acordados/ dedos, só contornando o nada"; " gestos húmidos de nada"  e "danças, danças sobre os pés do silêncio adormecido no sorriso do nada".
Sejamos breves. A lírica de Seabra é sintetizada por Joaquim de Matos em 7 palavras: " O encontro do Homen com a sua existência".

A lírica de Seabra, ...sim!... e como sintetizar a sua  Vivida Vida ?!...

Ele próprio, o José Augusto a proclama - essa síntese - citando o Bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, quando este relembrava Pierre Teilhard de Chardin: « É PARA o ALTO QUE TUDO CONVERGE».
E aqui vai a surpresa: querem essa sítese, ao vivo, pelo  nosso Xiabrinha?... ao vivo?!. Ouçam-lhe o entusiasmo de impregnada Alegria com que a proclama .
Abram: www.youtube.com/watch?v=wpJOTR9fw, ou, em alternativa, http//videos sapo.pt/Z1sCNBUrPZ8NI .
Ambos os locais nos oferecem  filme por José Couto (endereço electrónico "zé.
couto@sapo.pt) com o título «Embaixador Augusto Seabra em Vila Meã». Interessantíssimo documento onde se mostram cenas, passagens breves, da visita de Seabra àquela Vila a convite da  ANTO-Associação de Amigos de António Nobre. Nobre viveu anos em Vila Meã, com a Mãe, sua Tia Carlota e seus Amigos. O filme não reproduz a conferência que Seabra terá feito, mas permite-nos acompanhar o Convidado e seus Hospedeiros pelos "aquis" do «por aqui passou António Nobre» - A Casa de S. Braz, uma Capelinha rústica no alto de monte donde Nobre ruminava horas, contemplando a paisagem, uma Igreja que não entendi qual seria, a Casa  onde viveu... e, a título de "já agora", também se visitou a casa onde nasceu Agustina Bessa Luís. O filme termina com almoço no Restaurante "Bolinhos de Amor", em Casais Novos", em longo salão que Nobre também frequentou..
E  é aqui, durante o almoço, que se vê e ouve , em tom de informal conversa, Seabra dizer, (depois de palavras imperceptíveis na gravação, que não permitem alcançar o contexto), que Nobre «no poema contra os pessimistas, afirma Crer em Deus» (sic). Para, na embalagem, referir que «para Bruno (Sampaio Bruno) e para Telles (?)-este nome não é apropiadamente audível), a Pátria, a República, era  uma religião  (sic) . e prossegue Seabra: «Era para o alto que convergia essa religião, não era para o material, mas para o que há de espiritual e de moral nos Homens»  (sic). E continua ainda com mais entusiasmo: «A busca da altura, a busca espiritual e moral» (sic)».E já empolgado: « Como dizia D. António Ferreira Gomes,- que eu escutava muitas vezes-, citando Teilhard de Chardin, «é para o Alto que tudo converge», não é para baixo».(sic). A terra é uma forma de chegar ao Céu, quer dizer, é preciso passar pela morte, por essa experiência, para renascer, isto é, para ressuscitar» (sic) «e na verdade, se nós somos cristãos - eu sou (friza)- temos que acreditar na Ressurreição dos corpos - não das almas, isso fica para os protestantes -» (sic).
«Nós, católicos, é Ressurreição dos Corpos - dos Corpos!...» (sic)...
A imagem acaba, o som extingue-se. O embebimento em Alegria, com linguagem falada, gestual e corporal,  de convicção muito, muito, maturada, perdura. A mim não me abandona a memória, mesmo agora em que ela já me surge na recta final  de um fim anunciado há 76 anos...
Um ano e dois meses depois de ter partilhado este seu modo de Ser e de Estar com seus Amigos de Vila Meã, José Augusto Seabra, «passava à experiência da morte». Renasceu.

Está sentado à Sua Direita!. Amou ! Amou todos os Homens e bateu-se até à exaustão, com sacrifícios e inteligência inenarráveis,  não para ter poder, não para por ínvios e farisaicos caminhos chegar rápidamente   à riquesa, não para ter a glória vácua dos homens... não, não!..mas para que tudo para o Alto convergisse, no respeito infinito pela dignidade infinita do Homem. Com o primeiro lugar para o mais fragil, e tanto mais o primeiro lugar quanto maior a sua fragilidade, a sua sem Voz. Seabra?.
A síntese da sua vida?!... José Augusto Seabra foi simples, foi tenaz, por AMOR AOS HOMENS, para, Crísticamente, para o Alto tudo fazer Convergir.

Rui Abrunhosa
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segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

LÍNGUA PORTUGUESA ! ... MINHA PÁTRIA.?! ...

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."SOBRE DE" O USO DO DICIONÁRIO



Não lembro se já teria iniciado a frequência da escola primária, ou estaria no começo da actividade escolar. Lembro sim e muito bem, ser dessa altura a minha curiosidade por perceber porquê estava meu Pai de dedo espetado ao longo de duas colunas de cada página, como quem busca qualquer coisa que não encontra, isto sobre um livro para mim, nessa idade, colossalmente volumoso. Enorme. Perguntei o que estava a fazer e o que era aquele livro. Respondeu minha Mãe que, sentada ao lado, ouvindo a pergunta, interrompeu a leitura em que estava mergulhada e me disse pousando o livro sobre os joelhos: "esse livro chama-se dicionário". O teu Pai está à procura de uma palavra que não sabe muito bem o que quer dizer ou não sabe ou não se lembra como é que se escreve. Fiquei um tantinho confuso porque me faltava o exacto conceito do que é "palavra", falar palavras ou escrever palavras (2). Enquanto me mergulhava nesta minha pequena perplexão, minha Mãe continuou: "ainda é cedo para ires ao dicionário (sic), mas a seu tempo vais ter de o usar não só para palavras portuguesas como muito mais tarde para estudares francês, inglês, ou outras línguas". Com tom profético e de grande conselho para o resto da vida, levantando o dedo para solenizar a frase, declarou: "sempre que não souberes o que quer dizer uma palavra ou como ela se escreve nunca perguntes a ninguém. Vai ver por ti próprio ao dicionário. Nunca mais desse novo conhecimento te esquecerás" (mais ao menos sic).






O dicionário em causa era o da autoria do Dr. Francisco Torrinha, antecessor do Dr Sena Esteves  na Reitoria do Liceu Alexandre Herculano. O Editor era a "Domingos Barreira". Encontrareis, lá para cima,digitalizada, a capa desse livro que ainda hoje conservo e veio a servir de instrumento de trabalho, já no Liceu Alexandre Herculano, quer para mim quer para meu Irmão, nas aulas e para as aulas de português. Não consigo lembrar-me se logo o Dr. Óscar Lopes, nosso professor de português no primeiro ano nos enfiou por esses labirintos, ou, se só mais tarde eles nos foram indicados pela Dra. Ana Rosa. .
Já agora, e a propósito, aproveitei para digitalizar também as capas dos demais  dicionários que eu e meu Irmão Luís tivemos de usar no Liceu Alexandre Herculano. O de Português/Francês era de José Sousa Vieira e também edição da Domingos Barreira. António Doria relizou o de Francês/Português publicado  pela Editora Nacional .O curriculum da disciplina de Francês desenvolvia-se em cinco anos. O Inglês aparecia no 3º e espraiava-se por três anos .Os respectivos dicionários eram uma reorganizsação pelo Dr.Armando Morais  de dicionários da autoria do Dr. Luís Afonso. E já lá vamos a este vulto da educação de rapazes.Merecia Estátua!...
Vindo-me à lembrança estes dois homens aproveito para recordar  detalhes.
O Dr. Armando Morais era uma personalidade peculiar.  Não foi  professor dos que foram caloiros em 1947-48, mas sim da malta do ano seguinte, como foi o caso de meu Irmão. Homen desempenado, muito afável com os alunos. Com eles jogava, aos domingos de manhã, no "ginásio grande" do liceu, onde um grupo de alunos, coetanos uns dos outros, de que eu era um deles,  por ali aparecia para sessões de "voleibol" e de "basquetebol". Aparecia também, nestas sessões, um professor de francês  cujo nome me não consigo lembrar, neste momento, o qual, apesar de "baixinho", portador de  esplendorosa careca, tinha uma energia "do quilé", não obstante as suas "brancas cans" ( agora as cans são loiras azuis e "tuti quanticas", decoradas por brinquinhos brincalhotes. Exímio nas convolutas fintas,  no rigor angstronmétrico dos passes e na eficácia dos encestamentos com que abrilhantava o seu jogar de basquetebol reluzia-lhe suor nas gotículas agarradas à vasta e espessae branca  pelagem que lhe cobria o tronco e a cintura escapular. .
Essas sessões dominicais eram realmente muito agradáveis. Eu não perdia uma e o que hoje,de interessante, diria mesmo de muito valioso, habita na minha memória, era o extremo à vontade dos alunos na sua convivência com estes professores e a convivência quente e muito respeitosa entre todos: professores e alunos!. Seria um "case-study" do qual se retirariam fabulosas consequências, a instalar no sistema educativo português actual.
Ainda a propósito do Dr. Armando Morais parece-me interessante dizer que ele aparece no liceu Alexandre Herculano para substituir o Dr. Luís Afonso, um dos mais brilhantes professores de inglês de todos os tempos, neste país - o "Luizinho". "Pioneiríssimo" na introdução no ensino do inglês de meios audiovisuais. Bem lembrais que havia uma grafonola, que era dele, por si comprada, exclusivamente para fins pedagógicos, com dinheiro dele, e que um aluno de cada turma,, por ele escolhido em cada turma, transportava o material de sua sala para a sala onde  o Luizinho iria de seguida  trabalhar. A ela, à grafonola, fazia companhia uma colecção, que direi eu ? ... de cerca de 20 discos de 33 rotações, com vozes arranhadíssimas, mas inesquecíveis, para quem as ouviu e não foi o nosso caso. Era a célebre colecção da Linguaphone, depois muitas vezes imitada .
Não me vou aqui deter na acontecência vergonhosa, operada por dois "cabrões", em quem o Luizinho confiava para as referidas transferências do equipamento  e que "numa de criativos" no âmbito do "abuso de confiança" resolveram descolar, pacientemente, com todo o cuidado, o rótulo  de dois desses desses discos e recola-los em dois discos da Amália!!!...Ao rebentar a surpresa, numa qualquer turma, o Dr. Luís Afonso, com a evangélica paciência que o embebia, limitou-se a um brado de desabafo: «Canalhinhas!..., canalhinhas!...os meninos não têm coisa!...». Para sermos rigorosos, temos de registar: não obstante excessivos..., porém cabrões ... tiveram muita graça... e mais: o Luisinho não se ofendeu, nem "participou" às terráquias autoridades...Bravo! cabrões..., bravo! Luizinho!... bravo terraquias autoridades disciplinares da época!... Bravo! "GandaAlexande".É assim que se educa.
 E já agora para fechar este ponto recordatório se diga que o  Dr. Luís Afonso fazia acompanhar estas sessões "audio" por folhas com o essencial das matérias de cada sessão. Um prodígio para finais de anos 40.
O Dr. Luís Afonso tinha, a meus olhos, "muita idade", quando com ele me cruzava nos corredores. Lembrais que tinha uma cabeça em tudo semelhante - até nos óquelinhos - à de Gandi, com a pequena nuance de, em vez de ser pequenino, tinha um metro e noventa de altura e não usava lençol à volta do corpo. Trazia de Verão e de Inverno ou um sobretudo ou uma gabardine. Compridissimas peças!. Muito cinzento escuro e muito muito velhas. O Dr. Luís Afonso quase passava fome, para distribuir os pequenos réditos do seu permanente trabalho  por pobres que visitava em tugúrios que só ele conhecia. Já cansado, incomodava-se com o falar dos aluno, durante a aula e, em vez de "ralhar", para os manter calados, dizia-lhes, já batido pela sua pequenina ateresclerose, com muito carinho, batendo calma e lentamente os cinco dedos de uma mão, bem abertos nos cinco dedos da outra, colocadas ambas em frente do seu epigástro, dizia-lhes, dizia,(3) em vez de «os meninos não têm educação», a celebérrima exclamação de sua criação pedagógica« ... Òhhh !!! ... òhhh!!!...,Òhhh!!!...os meninos não têm coisa».
O Dr. Luís Afonso tinha para mim muita idade porque, me dizia meu Pai que já tinha sido em Lamego, o seu professor de Inglês.
O Dr. Luís Afonso gastou uma vida a fazer e refazer e refazer os dicionários de Inglês/Português e Português/Inglês que depois, ou porque já incapacitado, ou porque já desaparecido, vieram a ser tomados pelo Dr. Armando Morais. De que um deles acima se mostra a capa..
O Dr. Armamdo Morais acompanhou com entusiasmo e a melhor colaboração a fantástica amplificação do sistema audiovisual que usava o Dr. Luís Afonso. Foi ela conseguida pelo Dr. Melo de Carvalho introduzindo-a  experimentalmente - no nosso tempo, no nosso curso de Inglês, com 3 anos de currículum .   O Dr. Melo de Carvalho, outro pioneiro da pedagogia audiovisual no ensino das línguas em Portugal, introduziu, dizia, na chamada Sala e Geografia, um excelente - para o tempo - rádio Philips sintonizado em onda curta para os serviços de ensino do inglês da BBC (1).  Recebia da BBC periodicamente, todo o material indispensável a uma semana de aulas radiodifundidas e do qual retirava elementos que nos distribuia em policopiados. O Dr. Melo de Carvalho foi um professor de inglês de estatura gigantesca . Sempre lhe tributei gratidão pelo que me deu e sempre dele falei com muito e admirativo respeito. Os meus 34 anos de docência permitiram-me perceber que aquele Homem nunca foi para uma aula sem  previamente a preparar em profundidade, exaustivamente. Não aldrabava. Era genuíno. E Sofredor.
Vem todo este arrazoado à minha memória porque, há dias, continuando a seguir o sábio conselho de minha Mãe, tive uma qualquer dificuldade, tropeçando numa qualquer palavra. Estendi o braço e puxei do primeiro volume - A a G - "do Cândido de Figueiredo". Subitamente, inesperadamente, os meus olhos cairam em cima do canto superior direito da página 1293 do referido "catrapácio". Não resisti à tentação de o digitalizar e aqui o partilhar.  Leiam. O sublinhado a amarelo, foi lançado aí por mim próprio.
E fica tudo dito (4).

Digitalização da porção superior direita da página nº 1293 do Grande Dicionário da Língua Portuguesa de Cândido de Figueiredo - Volume I - 23ª Edição. Livraria Bertrand, S.A.R- Lisboa, 1986.


Rui Abrunhosa

(1)      Hoje há políticos, collet monté, porém  boçais, que querem acabar com a RDP e a RTP Internacionais.  Um progresso do caráças ! ... Não descansam enquanto não destruirem a minha Pátria ! : «A minha Pátria é a Lìngua Portuguesa» ... já lá profeticamnet proclamava Fernando Pessoa. Também eu sinto assim. Porém o que se recomeça a ver é o "rápa rápido e pisga depressa num mais vale comer do que ser comido"
(2)      A "palávra Palávra" é de vasta significação... Venho descobrindo, quase todos os dias. Cada cavadela sua minhoca.  Um minoria de portugueses continua a tê-la, mas a grande maioria não tem!...
De Honra perguntareis... sim de Honra, respondo . Mas também de afirmação de Cidadania.

(3)      Esta do «dizia-lhes, dizia» faz-me lembrar aquele  retoque do Camilo, o da nossa Avenida, quando , em nota de pé de página ( de outras não disfrutava), corrigia: »Onde digo digo, digo que não digo.

(4)      "To be honest," , e na embalagem do Camilo, onde digo" e fica tudo dito", digo que não fica tudo dito...Gaspar vem do persa, e  significa «o administrador do Tesouro. ...Há coincidências de emudecer o mais pintado!!!! ....logo duas!,... seguidas!!!....,Já lá me dizia um dos meus amigos de um dos Muceques de Luanda, por entre as gargalhadas das goladas da cerveja gelada, Cuca ... «tátudisfodido patrão ! »...
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