LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

HOJE É DIA DE NATAL…


... e, não sei porque navegações do Espírito, dou comigo a saltar, de “rememória” em “rememória”. A certo passo já estava na fotografia do “Busto de Camilo” na “Nossa Avenida”. Mostro-a aí a seguir mesmo (Fig1).

Fig 1 - Busto de Camilo visto pela Rosário

Foi feita em Junho passado pela minha Filha Rosário - de quem já muito vos tenho falado - quando, pela tardinha, regressando do seu trabalho, em Gaia, depois de saída em S. Lazaro, caminhava para o Campo 24 de Agosto, onde se mete num segundo autocarro.

Desta imagem, deste busto, ao meu Amigo Camilo Castelo Branco,”lui meme”, no frio de Seide, por esta altura dos nossos dois invernos – o dele era o de 1882 - foi um salto de pardal!... Empurrei-lhe, mansamente, a porta da sala. Rangeu, mas não o distraiu. De joelhos embrulhados, numa manta, escrevia o naco que de seguida transcrevo, electronicamente reproduzindo a página 30 do “Perfil do Marquês de Pombal”, na edição de 2003, pela “Folhas e Letras”(Fig2). ( 1 )

Fig.2 - Uma página de Camilo - o da nossa avenida - 1882

(se não lerem bem, cliquem com a direita do rato)

E novo pulo da memória: duas citadelas, no “Expresso”, de trabalho do jornalista João Paulo Guerra, publicado em 24.03.2005, no Diário Económico, a propósito de manchete de primeira página do “Público”de dois ou três dias antes: Fome – 200.000 Portugueses… (Fig.3).

Fig. 3 - Fome - 200 000 Portugueses

Agora são mais, muitos mais e quase todos os dias tenho homens de barba rija e mulhers de grande coragem a chorarem a meu lado nos gabinetes de consulta médica em que trabalho. Dizem os que estudam cientificamente as coisas e nada têm a ver com a merdunguice dos intrigalheiros da politiquice que a pobreza escondida pela vergonha ronda os 2 milhões, e como somos 10, então 20%. É preciso muito génio para produzir tanto Pobre!...não é fácil!...

E aparece-me no hipocampo, ou lá onde é que é que a memória se me segrega , a exclamação de Brecht (faz bons diagnósticos, mas nem sempre lhe aceito as terapêuticas…) : Fig4

.Fig. 4 - Do rio que tudo arrasta...

Natal: refugio-me na Memória do Grito de Paulo VI,: «… homens!... sêde HOMENS!!!... »

Rui Abrunhosa

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(1) Fiquei um nadinha incerto do que em rigor Camilo queria dizer falando de Tratantes. Fui por isso ao Grande Dicionário de Língua Portuguesa de Cândido Figueiredo – 1939 – Bertrand Editora 23ªed,1986. Vejam na Fig.5.

Fig. 5 - Tratante - significado por Cândido de Figueiredo

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segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

A ilha de jan Mayen


Cornelis de Man (1621-1706): A fusão da gordura de baleia na ilha de Jan Mayen

Também tivemos professores estranhos. Se naquele tempo contávamos pelos dedos de uma mão os que considerávamos maus professores, que os havia, os dias de hoje - na opinião dos alunos - levam a contar da mesma forma os considerados bons. Mas havia os estranhos que, independentemente dessa dicotomia primária, tinham humanas fífias.

A gravura junta, que reproduz um quadro exposto no Museu Real de Amsterdam, o Rijksmuseum (lea-se "Reíks...), transportou-me a um episódio algo grosseiro, mas que me marcou pela injustiça nele contida. O professor, de Geografia, era um bom homem - não tenho dúvida - e assumia uma forma muito peculiar de se dirigir aos alunos. Todos o conheciam por isso e ninguém lhe tomava a mal que, na generalidade e na especialidade, nos tratasse, no então 2º ciclo, como se fôssemos criancinhas da primária.

Falando bem e depressa, eu era um puto curioso. Gostava de viajar nos mapas de um atlas, aliás Espanhol (Salvador Salinas, seria esse o nome?) , que representava os continentes e os oceanos em esmerado detalhe e que me fazia sonhar em horizontes ainda não conhecidos. Cheguei ao ponto - original na época e quase precursor - de verificar que os continentes podiam ser um "puzzle", isto é que o "nariz" do Brasil encaixava no côncavo do Golfo da Guiné e que as Aleutas pareciam um rasto de geleia de marmelo na toalha do Pacífico Norte. Sem o saber, estava num bom caminho - mas não passei dessas constatações curiosas e de outras, reforçadas aliás pela filatelia e a leitura da Enciclopédia de Maximiliano Lemos (que me parecia uma obra gigantesca, na estante dos meus Avós maternos, mas que outro dia vi - e impressionou-me pelo seu tamanho, bem mais reduzido do que então me parecia).

É aí que, já no Oceano Glacial Ártico, a norte da Islândia, eu fui encontrar a ilha de Juan Mayen (Juan porque o atlas era espanhol!) , como que perdida e sem a indicação, entre parêntesis como era costume, das iniciais da potência titular da dita ilha (que é a Noruega, diga-se). Curioso de tirar o assunto a limpo, esperei o fim da primeira aula de Geografia que tive, deixei-me arrastar na sala e dirigi-me ao Prof e perguntei-lhe, designando um local provável no azul acima da islândia, antes de chegar ao branco:

- Professor, a quem pertence a ilha de Juan Mayen?

O calmo professor subitamente entrou em inesperada erupção (aliás adequada, porque Jan Mayen tem vulcanismo activo) e apontando-me com o dedo em riste, respondeu:

- Olha, meu pequenino, é uma falta de respeito tentar experimentar os professores com perguntas matreiras!

E deixando-me envergonhado e confuso, saiu pela porta fora... sem sequer me dizer que, se não sabia, iria procurar conhecer quem, de facto, mandava em Jan Mayen. Não gostei!

Zé Miguel

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

LABIRINTOS DA SAUDADE

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“Faz tempo” houve “festa rija” para se dizer ao Prof. Eduardo Lourenço da muita gente que neste mundo luso e por muitos mundos outros, por esse mundo “afora”, por ele têm consideração, admiração, respeito, estima. E de como se sente gratidão por ele ter partilhado seus pensamentos, seu Pensamento com quem o queira ler ou ouvir.


Na ocasião, como que para me associar à homenagem nacional, desejei comprar, numa das “Bertrand”, o «Labirinto da Saudade», deste pensador...


Que não, que estava esgotado em todas as “Bertrand” do País… E quanto tempo leva a receber um exemplar que, para mim, se encomende, já, à “Gradiva?... Um mês…! … - Oh pá!!! ... não me lixem !...


Um mês?!!! ...mesmo no momento em que estamos a homenagear o seu Autor?!!!...


«Disgusting» diria polidamente gélido um britânico culto … «incroyablel», acrescentariam os meneios craneo-encefálicos, silenciosamente gálicos, de um bretão…


« Oh! Oh! Oh! … os meninos não têm coisa!»… entristecer-se-ia, impregnado de paciência, o Luizinho Afonso, fazendo, docemente, chocar no ar, entre si, compassadamente, à frente da cintura, as cinco polpas digitais de cada mão…


…não tem importância… eu depois arranjo, de um qualquer outro modo…Saí. Polido. Tanto quanto minha Mãe, … tanta vez! … me pediu fosse sempre, com toda a gente, sobretudo com quem não tem culpa nenhuma do nacional pateguismo que nos estropia…


… «Chiça carago»!!! - berrei , depois, já cá fora… para dentro de mim próprio…, que não sou bretão, nem british, nem, nem Luizínho, nem qualquer outra “worthy” coisa…


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… e pronto, a coisa, parecia, passou… só que, de repente, estrelejou-se-me uma flashada! : ora aqui está o bom título para uma secção a desenvolver, com especial carinho, no nosso blogue Convido todos os que têm um recanto do seu LABIRINTO DA SAUDADE com que nos possam comover, emocionar ou silenciar-nos na meditação, a faze-lo, a mostra-lo ou a conta-lo aqui, nos LABIRINTOS DA SAUDADE do nosso blogue.


… então, já que tive a ideia, despertada pela de Eduardo Lourenço… começo eu…


ALBERTO DA COSTA PEREIRA VIANA


Alberto Pereira-Viana Cartolado na Fac. Med. Porto - Maio 1960:


Licenciou-se em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto em 1961. A Figura junta mostra-o “Cartolado” na Queima das Fitas de 1960, numa postura corporal que lhe era muito característica.


Em 1966, regressado de África, onde esteve dois anos como Alferes Miliciano Médico, num dos teatros de operações militares, iniciou funções de docente na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e de médico no Hospital de S. João, já de olho posto nas linhas tremelicadas da electrocardiografia.


Veio a fazer-se um brilhante cardiologista.


Fiz com ele, semanalmente, cerca de dois anos, serviço de urgência (turnos de 24 horas ininterruptas) na “Urgência do S. João”. Escrupulosamente rigoroso e muito atencioso com todos os doentes que, com o “destino” - como explicava Beethoven – lhe batiam à porta. Lutava denodadamente por eles. Uma vez,(antes do 25 de Abril, acentue-se) pelas 3 da madrugada, com um doente em paragem cardíaca, por fibrilação ventricular, correu a um piso dos de lá para cima , arrombou pela força um compartimento autocraticamente fechado pelo donismo do respectivo “lente proprietário” para de lá retirar o que era então o primeiro desfibrilador em hospital público a norte do Douro, adquirido semanas antes pelo Hospital de S. João. Foi uma “Bronca do Caraças”. Caiu “o Carmo e a Trindade”, mas o Doente safou-se da morte com o abanão dos 400 Joules, e ninguém se atreveu a tocar-lhe na elevadíssima dignidade e no prestígio ético que tinha.


Era um exímio jogador de Bridge, muitíssimo admirado, estimado e elogiado pela nata portuense da época em tal arte e engenho.


Doutorou-se em 1975 na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, apresentando então, para o efeito, dissertação sobre «Efeitos Respiratórios dos Digitálicos – Contribuição para o Estudo das Acções Extra Cardíacas dos Cardenólidos»


Era Professor Auxiliar da Faculdade de Medicina do Porto quando em 1978 foi barbaramente morto por um camião que, sem prioridade, se lhe meteu na frente. Circulava na Via Norte, quase em junto da fábrica da cerveja da antiga CUF Portuense, hoje UNICER, quando o mostrengo lhe surgiu da estradícula que vinha do Mosteiro de Leça do Balio.


Deixou Sua Mulher com dois Filhos pequenitos e de quem nunca mais voltei a ter notícia. Curvo-me ante eles, respeitoso da Memória de seu Marido e de seu Pai. Dele muito se podem e devem orgulhar.


Enquanto estudante, acolheu-me muitas vezes em sua casa. Emprestou-me ali, muitas vezes, para eu estudar, muito material – livros e revistas - que eu não tinha dinheiro para comprar.


Era um Homem, com o sentido da Solidariedade…


…hoje, com frequência, estudantes de várias escolas da Universidade do Porto não só se negam a emprestar qualquer material de estudo, como, quando parecem estar a passar informação a colegas, o fazem de material propositadamente viciado pelo erro com o intuito de fazer falhar “os concorrentes” ….


Alberto! vai-te preparando: qualquer dia apareço-te… para te pedir emprestada qualquer coisa mais, para ler, mais decente do que o que por aqui anda agora….


Rui Abrunhosa.