LAH1954

um blog de antigos alunos do Liceu de Alexandre Herculano, do Porto

quinta-feira, 9 de junho de 2016

SALVAR O LICEU ALEXANDRE HERCULANO






«SALVAR O LICEU ALEXANDRE HERCULANO»


«AS CASAS QUE TRANSPORTAM MEMÓRIA OU MEMÓRIAS, E NELAS A HISTÓRIA INTERIOR DE MUITA GENTE, NÃO PODEM SER PERDIDAS SEM NOS EMPOBRECER A TODOS».


clama num brado público - no PÚBLICO 


JOSÉ PACHECO PEREIRA


Fig 1 : Pacheco Pereira com o semblante que hoje corre nos media. Não conseguimos identificar o autor da fotografia nem o local de publicação. Recolhida da Google Chrom -"imagens".


Pacheco Pereira, na sua condição de antigo aluno do Liceu Alexandre Herculano dedicou a sua habitual crónica de sábado, no Jornal "Público", de 28 de Maio passado, à condição de conservação em que se encontra o edifício do Licev Alexandre Hereculano, aproveitando o ensejo para evocar algumas das suas memórias relativas aos 7 anos durante os quais ali fez a sua educação no ensino secundário.

Esperamos a melhor compreensão por parte do jornal "Público" para com a nossa atitude de fazer citações de tal crónica, publicando inclusivé a fotografia que apresentava e, do mesmo modo, a do autor da crónica, num e noutro caso sem antecipadamente solicitarmos a respectiva autorização. Acontece o atrevimento ao considerar-se o altíssimo interesse desta colaboração de Pacheco Pereira,
e desta intervenção deste  jornal, integradas no movimento que se vai estabelecendo de forçar quem tem poder, obrigações e o dinheiro dos nossos impostos, a velar pela integridade física da preciosa peça da história da educação secundária portuguesa, qual é a representada , em múltiplas e riquíssimas facetas - como as do diamante - pela entidade "Licev Alexandre Herculano". Reproduzindo o que adiante se reproduz, assim encostamos nosso ombro, já com nenhuma força, mas para, ao menos, simbolicamente, ajudarmos também a empurrar a carroça. Carroça esta consabidamente  transportando número suficiente de carros de luxo, cujo custo era suficiente e ainda sobrava dinheiro, para proceder à regeneração porque clamamos
O José Miguel Leal da Silva, de resto, já lá para traz, neste blog, refilou sobre este mesmo problema. Publicaram-se então e até fotografias dos tectoss de salas de aula a cair aos bocados. Uma Merda!!!...

Pacheco Pereira abre o seu artigo com a seguinte informação: 

«Circula na Internet uma petição com título "Não deixem cair o Alexandre!". Tem um ponto de exclamação no fim e, bem merecido é. O Liceu Alexandre Herculano foi o "meu" Liceu e, como muitos outros que lá passaram, fomos ali que fomos "feitos".».

... «estado lamentável em que se encontra, com tectos a cair, ratos a passear por todo o lado, chuva nas salas e uma deterioração acentuada de todo o edifício, exige urgência e muita urgência. Por isso, esta é a minha maneira de assinar a petição.» .

E define: ... «é um edifício classificado, obra de um dos arquitectos mais importantes da época, Marques da Silva, e vai fazer 100 anos. Foi pensado como um liceu modelo ... grandes corredores e janelas e tudo aquilo que não era comum encontrar a não ser nos grandes liceus "centrais"(Fig 2).

Fig 2: No início dos anos 50 era o corredor das turmas do 5º ano. A primeira porta, agora de tom amarelo, era castanha e dava entrada ao "meu" 5ºA. Nessa sala fiz em 13 de Outubro de 1954 a minha última prova do meu curso liceal - prova oral de matemática do 7º e último ano do "Curso Liceal  - 7 dias depois do sétimo aniversário da minha entrada como caloiro neste Liceu. À direita, (com alunos), iniciava-se o corredor do anfiteatro da Química o qual terminava no "Cinema" e dali saía,  à esquerda, o corredor das turmas de 6º e 7º anos.


«Tinha vários recreios, piscina, auditórios, laboratórios, um museu, biblioteca, ginásios e um refeitório ... cada detalhe estudado e realizado ... tinha enormes espaços e era banhado por toda a luz nas suas enormes janelas nas salas de aula e nos corredores.».

«Foi feito para durar ... Foi caro de fazer, ... após anos de incúria ainda mais caro de recuperar ... mantinha a glória dos seus primeiros anos. As aulas de Química e Física eram dadas nos laboratórios onde os bicos de Bunsen estavam implantados nas bancadas de lousa e mármore, para suportarem fogos acidentais e derrames de materiais perigosos ... havia instrumentos científicos e frascos com ácidos, sódio e potássio e outros elementos mais complicados de por ao ar e à luz. Tinha um museu com uma série de animais empalhados e alguns em formol, mas, enquanto os laboratórios funcionavam, o museu era uma mera exposição nalgumas salas a que não era comum aceder.  Havia uma biblioteca ... Era uma sala com o ambiente que se considerava normal numa biblioteca da época, escura, "encadernada" em encadernações, com os livros fechados em armários. ... Um professor de inglês deu algumas aulas na biblioteca para usar o gravador de fita que lá estava.».

... um gabinete onde várias vezes tive de ir para ouvir as admoestações do reitor contra o conteúdo do jornal do liceu, o Prelúrio, que dirigi. Aí ele me explicou que não se podia falar de Fernando Lopes Graça nem publicar poemas sem pontuação, nem reproduzir um quadro de Picasso do período azul em que um rapaz nu segurava um cavalo (perguntei-lhe uma vez se era porque  o cavalo estava nu), porque o jornal era também vendido no Rainha, o liceu de raparigas ao lado. O Alexandre ... fornecia um contingente de voyeurs, que esperavam em frente da saída do Rainha, que só tinha raparigas, meninas, mulheres.

... Os professores eram altamente prestigiados e alguns muito competentes, outros menos. Mas de um modo geral eram characters, personagens temidos e amados ou as duas coisas ao mesmo tempo. Entre os meus professores tive o Dr. Agostinho Gomes - os nomes não são concebíveis sem o "dr." -, que era uma coisa rara porque era "escritor", tinha livros publicados e oferecia aos melhores alunos os seus livros. Hoje está completamente esquecido. Havia o dr. Cruz Malpique, uma personagem muito especial, professor de Filosofia, que estava no liceu desde 1948. Não sei bem quantos livros escreveu, mas deve ultrapassar a centena de títulos, e escrevia um novo livro no verso das provas do anterior. Encontrava-o muitas vezes na Biblioteca do Porto, a trabalhar com mangas-de-alpaca para não estragar a camisa ou o casaco. O dr. Malpique era um impressionista, não sabia muito de filosofia, mas transmitia o gosto pela filosofia e pelo pensar e isso é que caracteriza um professor. Havia o terror dos terrores o "Rapa-côdeas", o dr. Gaspar da Costa, meu professor de Latim, e que era universalmente temido. E havia o reitor Martinho Vaz Pires, professor de Alemão ... dirigente da União Nacional e da Mocidade Portuguesa, antigo deputado à Assembleia Nacional. Foi ele que me disse que o jornal não podia publicar poemas sem pontuação nem maiúsculas, porque isso era obra de comunistas.Demorei anos até perceber que o reitor que nos seus anos de formação visitara a Alemanha nazi, estava a falar da Bauhaus e da sua tipografia, considerada "degenerada" pelos nazis.

Muitos dos professores que me marcaram eram da "oposição" gente que se relacionava com Namora e Ferreira de Castro e que convivia com a elite literária do neo-realismo e tinha prestígio na sua função de professores, entre outras coisas porque eram professores do Alexandre. As paredes do Alexandre Herculano são o local físico onde ainda habitam e os seus tectos a cair pertencem a todas estas memórias. Não pertencem aos ratos, que esses estavam no laboratório, digamos que na forma de "não ratos".

Mas eu não pretendo salvar o Alexandre por causa das minhas memórias, nem de qualquer nostalgia, mas porque o liceu merece por si, pela sua qualidade edificada e pelo que teve na vida do Porto e pode tornar a ter. Nele se inclui ter deixado "memórias", quase todas elas fortes em por quem lá passou. Não é pequena coisa neste mundo demasiado esquecido e que faz do esquecimento um programa cultural, social e político. as casa que transportam memória ou memórias, e nelas a história interior de muita gente, não podem ser perdidas sem nos empobrecer a todos.


Rui Abrunhosa
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